segunda-feira, 29 de junho de 2009

FLORES PARA TI

Amiga,

Trouxe flores para ti. Hoje vamos para a metade do ano e eu tenho o teu sorriso guardado na minha lembrança.

Risada alegre, verdadeira. Risada sincera e negra no jeito de ser e viver.

As comidas que tu fazias, as histórias que tu me contava. É tudo tão presente e tão real.

Os tantos negros e negras que tu contaste nas tuas tramas. As conversas de morro, papos de boteco, tantas e tantas lendas. Muito viajei em tudo o que tu produziste.

Nem creio que a gente embarcou junto em mais uma. Contamos juntos a história de um homem zen, de bem com a vida. Não me lembro de seu nome, mas fiquei louco para conhecê-lo. Creio que seria uma figura maravilhosa e única.

Trouxe para ti as flores que tu mais gostas, os doces que tu mais gostas. Andei pelos caminhos que tu andou. Fui na tua terra e dei a volta na praça onde tu andou na tua mocidade. Fui lá e experimentei um pouco do teu mundo. Me identifiquei muito.

Tu eras uma promessa em minha vida. Disse que um dia eu falaria de flores. E falei.
Falei de ti. E falo sempre de ti.

Tu estás sempre comigo. As flores que entrego a ti são a homenagem de meu amor, de meu sincero amor por ti. As flores são as mais lindas do campo, as com um perfume sem igual. Sei que de onde tu estás, tu as recebeu. E agora contemplas o jardim ao teu redor.

Não existe dor e nem separação. Não existe adeus. Não tem choro e nem ranger de dentes. Tem um imenso agradecer, por tudo o que tu me destes. Pela coragem que tu me ensinou a desbravar caminhos, a suportar dores, ser mais forte, mais firme em momentos onde achava que não iria continuar.

Amiga, trouxe flores para ti. Essas flores são para mim também.

Para sempre, o que fizestes estará no eterno. E vivas estão as tuas histórias, dentro de cada um de nós.

Amiga, novamente te digo:

Trouxe flores para ti.

PIREI

Augusto sempre foi um rapaz muito equilibrado. Criado em ótimas escolas, filho de um pai severo e de uma mãe preocupada com etiqueta e boas maneiras, o menino era o caçula de uma prole de cinco irmãos. Jamais o pequeno Augusto quebrou um copo quando criança, botou a língua para os mais velhos e fez alguma traquinagem que colocasse a sua saúde em risco. Nunca caiu da bicicleta, jamais quebrou um braço. Brigar na rua, jogar bola com a molecada, cuspir no chão e coçar o saco? Isso são coisas que jamais Augusto faria.

Seus brinquedos eram poucos. Em seu quarto, uma multidão de livros e mais livros. Augusto, o tão perfeito menino caminhava para uma trajetória de vida também perfeita. Aluno exemplar na escola, filho exemplar em casa. Tudo que Augusto fazia ganhava eco dentro da família. Seus irmãos gostavam das boas maneiras do menino, mas achavam que ele era muito reprimido, muito preso a regras, normas e condutas. Tudo o que fazia, ou dizia, agradava aos ouvidos dos mais velhos, como um bálsamo para as tão sonhadas boas maneiras.

Augusto foi pequeno. Hoje é um mocinho. Um adolescente. Rosto angelical, nada de espinhas no rosto. Gostar de fast food? Nem pensar. Tudo no jovem é perfeito. Se alimenta na hora certa. Come pouco, frutas e verduras. Nada fora daquilo que é dito como correto. Fumar, beber... jamais Augusto poluiu seus lábios com substâncias diferentes ao que é limpo, politicamente correto. Nada que possa envergonhar a imagem e a mancha de sua família.

Augusto não perdia a missa dominical, não perdia os almoços de domingo. Jamais faltava a compromissos sociais, jamais faltava a coisas e mais coisas que se comprometia. Na escola, o aluno nota dez. No grupo de amigos jovens da igreja onde ia, o mais educado e o mais aplicado às coisas de Deus. Jamais falava algo torpe. Um verdadeiro anjo em forma de gente.

Em seu quarto, fechado, o “santo menino” escondia embaixo do colchão, algo que jamais sua mãe, seu rígido pai, irmãos e outros imaginavam. Revistas e mais revistas de nudez, com belas mulheres, de todas as cores. Escondido no guarda roupa, uma garrafa de conhaque. Nas madrugadas, quando acordava, sem que alguém percebesse, Augusto colocava o seu ipod no ouvido e ouvia um rock tão pesado e tão metaleiro. Uma música que sequer podia ser ouvida por aquele rapaz que, diante da família e dos amigos, dizia ser amante da boa música clássica.

Augusto bebia, imaginava-se rodeado de música pesada e mulheres. Se imaginava coçando o saco, cuspindo no chão, beijando na boca da primeira que aparecesse em sua frente. Tudo aquilo tinha um tempo controlado. Eram duas horas. Duas horas de loucura, por duas vezes por semana. Até nisso Augusto era meticuloso e, de certa forma maquiavélico. Cometia a sua transgressão de forma muito bem pensada, para que ninguém desconfiasse que sua imagem pura e sacra pudesse ser abalada por pensamentos torpes e imorais.

Augusto levou por muito e muito tempo escondido esses momentos de êxtase e loucura. Certa noite, já com a maior idade na cara, foi sair. Disse a seus pais que iria para a casa de uma amiga e foi para uma casa noturna. As luzes e o som forte ali levaram Augusto a viajar. O som era eletrônico. A todo volume. Além disso, o pessoal que dançava fazia competição de ipods, quem conseguia chegar ao volume mais alto.

Mulheres de pretinho básico, cabelos alisados com chapinha, chicletinhos ao canto da boca. Meninos com garrafas ice na mão, dançando ao som do Psy que rolava. A noite estava muito louca mesmo. Quem conversava não conversava. Passava papéis com endereços de Messenger, ou então marcava um chat para outro dia.

Nos corredores da casa noturna, beijos e amassos. Quem conseguia ir para um cantinho escuro, transava ali mesmo. Com preservativo ou sem, não importava, o negócio era entrar na roleta russa do perigo. A noite estava desvairada e os corpos balançavam em um ritmo frenético, onde era inelegíveis as palavras. Músicas sem melodia, cores sem cores, sabores sem sabores. Assim era aquela festa. Era uma festa? Sim, era. Para aquele grupo que ali estava era sim um modo de se divertir.

Augusto paga o ingresso, entra sozinho e sozinho vai para perto da pista. Observa aquelas performances no palco. Ele começa então a fazer alguns passos e tenta dançar, copiar aquela dança que ali acontecia. Entra na roda e começa a dançar. Nem ele imaginava que sabia tão bem dançar aquele estilo tão diferente aos olhos do mundo e da sociedade onde ele provinha.

Sem saber, é observado. E, assim, sem imaginar, é prensado perto da parede por uma loira fatal. Indefectível. Bem básica para aquela noite. Cabelos lisos, vestidinho preto, botas, perfume importado. Ela o olhava e lhe perguntou se ele tinha um cigarro. Ele não fumava. Ela então abriu a bolsa e o ofereceu um cigarro. Augusto aceitou, fumou, dançou. A loira riu, bebeu, bebeu e riu. Augusto, o menino pudico, de olhar terno para uma hipócrita sociedade, ali colocava pra fora a sua selvageria.

A noite acabou na cama redonda. Misteriosa, fugaz. Cama redonda, luz vermelha, quarto vermelho. Fétido, batido, de baixo calão. Assim Augusto arrepiou. E a loira? A loira se esbaldou. Cigarro, vinho, cerveja, vodca, música alta, banhos de banheira. Foi um horror. Um horror imaginar os palavrões, as expressões chulas que rolaram por aquela madrugada, naquele motel barato, com custos acessíveis para jovens que não tinham muito dinheiro. A noite de Augusto foi marcante. Exatamente como ele imaginou e como via, escondido em seu quarto, ilustrado nas revistas imorais, baratas, compradas nas bancas por aí afora.

A loira e Augusto formaram um par. Ficavam, não ficavam. Não namoravam. Eram sim usados um pelo outro. Usados nos mais carnais deleites. A loira ensinou ousadias ao jovem e ele a colocou no sacrosanto e pudico mundo o qual vivia. Um mundo onde não existia a torpeza noturna onde muitos jovens embarcavam. A loira gostou. Augusto também. E assim ficavam, entre os prazeres da carne e os deleites da castidade.

Aquele dia, onde Augusto foi para a balada e caiu nos braços da loira foi marcado, anotado e valorizado. Em sua agenda, a qual guardava anotado seus sagrados e pontuais compromissos, ele escreveu:

- Pirei!

sexta-feira, 26 de junho de 2009

NÓS, PEQUENO TEXTO PARA VOCÊS

Amigos blogueiros, sei que vocês devem estar curiosos para ver e ler o texto de NÓS. Meu primeiro livro. Só tenho a dizer a vocês que esse trabalho chega recheado de emoção. Fala de amizade e conta a história de dois grandes amigos. Uma história de ficção que se parece real a muitas pessoas. Porque muitos que lerem irão se perguntar, será que existe amigos assim. Posso dizer que existem sim. Conheço histórias muito parecidas e é claro, ajudaram a embasar e a dar força na construção desse livro.
Para satisfazer a curiosidade de todos, divulgo aqui no meu blog um pedacinho de um trecho do livro Nós. Um momento bastante emocionante da história, a qual tenho certeza que irá tocar o coração de todos aqueles que lerem. Porque é emoção pura. Emoção e verdade. Verdade de sentimentos, uma linda história de uma linda amizade.

Um abraço apertado entre os dois amigos sela aquele momento, e todos aplaudem emocionados. Afinal, a amizade e a comunhão são sentimentos selados por Deus. E ali havia sim selado uma aliança. Uma aliança de unidade entre duas pessoas completamente distintas, mas que a amizade prevaleceu.

Amigos, aguardem, aguardem amigos de Porto Alegre e Caxias do Sul, cidades onde NÓS será lançado primeiro, em breve. Depois, Florianópolis terá o prazer de assistir ao lançamento.

REPAGINAR

Hoje eu acordei querendo mudar tudo. Me reinventar. Mudar a cor da roupa, o corte do cabelo, o perfume que uso, mudar a casa, mudar de carro, mudar de profissão, mudar o eu. Mudar, reinventar, repaginar. Essa palavra parece hoje tão comum e banal. Mas ela só reflete a uma tendência de comportamento que já vivemos há muito tempo. Estamos sempre com pressa, sempre imediatos, sempre o "agora" e nunca o depois, o mais tarde.

Estamos na sociedade do imediatismo. Somos imediatos e rápidos. Sendo assim, nós também sentimos a nossa imagem desgastada. Sentimos que precisamos sempre mudar, para agradar a todos. Nem sempre nos agradamos, mas nos preocupamos muito com o outro, com o próximo e com a nossa imagem. Uma imagem que nem sempre está desgastada, mas também tem prazo de validade, como tudo o que fazemos e pensamos. Nossa pressa é sempre. Queremos nos repaginar na verdade é queremos nos adequar, e buscar estar feliz sempre. Um feliz que nem sempre parte de dentro de nós. Mas que parte de uma exigência que a louca vida e o louco cotidiano nos coloca.

Mudar para aceitar, para ser aceito, para ser amado, estimado. Isso na verdade é o que buscamos quando queremos nos repaginar. Por raras ocasiões buscamos para andar com as tendências da moda. Sempre buscamos no externo algo para preencher o interno. Nossa preocupação é trazer de fora para dentro, para ver se sai algo de dentro para fora. Nos transformamos em um HD que tem que ser preenchido com informações e com conceitos de fora, para alimentar aquilo que existe dentro de nós.
Isso é ruim? Não sei, não estou para julgar. Mas vale dizer que a repaginação existe e é uma constante de nós, seres humanos.

Repaginar, mudar, inovar. É o que sempre buscamos fazer. Mudar é necessário, oxigenar conceitos também. Mas até onde não colocamos a velocidade em cima desta mudança e não passamos a nos cobrar como se essa mudança fosse algo imediato? Mudar é tão necessário, tão rapidamente.

Vale pensar. Mas se o desejo é repaginar para ficar com um corte de cabelo mais clean, então, faça. Se repaginar é comprar uma roupa nova para o fazer se sentir mais bonito, então faça. Vá sim em busca do que o faz feliz.

Por enquanto é isso.

terça-feira, 23 de junho de 2009

ETELVINA FOI AO CÉU



Levada ao hospital por um filho, depois de passar mal em casa durante o almoço, dona Etelvina não imaginava que viveria uma experiência única. A pressão arterial caía a cada momento. Rapidamente, dona Etelvina tem uma queda brusca de pressão arterial e o coração pára. Naquela unidade de emergência, todos correm. Preparam drogas injetáveis para reativar a musculatura cardíaca, massagem, desfibrilador, tudo está a postos e já começando a ser usado pelos médicos.

Ali, dona Etelvina, naquele momento, começava uma viagem. Olhava para aqueles médicos e com um olhar terno, parecia saber se despedir daquele corpo. Via tudo, assistia ao movimento dos médicos em reanimá-la. Mas dali já subia, partia para uma viagem a qual não sabia para onde a levaria o destino final.

Rapidamente, como uma fagulha, chegou a um local. Era diferente do alvo que imaginava ir. Será que havia morrido ou ido para o tão falado e temido andar de baixo? Foi para o inferno, o que havia feito a dona Etelvina, esposa, mãe de família, senhora casada, séria, mulher crente em Deus?

Etelvina não estava entendendo nada naquele momento. O lugar era vermelho. Tinha raios de luzes claras, mas era todo vermelho. Um vermelho agradável. Intenso mas agradável. Não lhe dava medo. Apenas estranheza.

Um homem, de voz doce e fala mansa se aproximou da recém chegada.

- Etelvina. Que bom que você chegou aqui. Estava lhe aguardando.

Curiosa e assustada, perguntava:

- O que eu esotu fazendo aqui? Quem é você? Eu morri.

O homem, com um sorriso, lhe disse:

- Não, você não morreu não, Etelvina. Você renasceu. Você está no eterno. Sua vida agora é infinita. Sem dor, sem sofrimento.

Ela volta a perguntar:

- Mas que lugar é esse, então?

Ele diz:

- Aqui é o espaço da misericórdia. A luz vermelha e o vermelho desse local simboliza o coração, o sangue, o amor. A misericórdia é um espaço que recebe poucos irmãos. São poucos os que vem para o espaço eterno. Saiba que você está aqui porque foi uma excelente mãe, uma dedicada esposa. Fostes uma mulher de fé e tens o teu coração recheado de amor. Você está aqui para conhecer esse lugar. Ver que existe um local destinado a receber irmãos especiais. Nem tudo o que te contaram sobre o aqui é igual para todos. Existe o espaço da misericórdia.

- Então eu morri. Mas não tive tempo de fazer algumas coisas, meu senhor. Mas olha, é um lugar tranquilo. Não imaginava que era assim, vermelho. Eu vou ficar aqui, senhor?

- Não, Etelvina. Você vai voltar para a sua vida. Você vai de volta para a sua casa, seu povo, seus filhos, netos. Seu marido está bem. Ele está em outro plano. Você não o verá mais como um marido, porque no plano eterno somos todos irmãos. Não somos mais maridos, filhos, pais. Somos todos irmãos e vivemos na glória. Lá onde ele está é muito bom. Está cumprindo o plano dele. Mas você vai voltar e ficar um pouco mais lá onde você veio. Não sei quando você volta, Etelvina, mas digo que estarei aqui te aguardando para a receber. Etelvina, vá e tenha uma boa viagem.

- Tudo bem. Então eu posso embarcar de volta. O caminho é esse?

- Sim. Vá sempre adiante. A carruagem te espera. Está tudo pronto para você voltar. Adeus, Etelvina. Até um dia. O qual não sei quando.

- Adeus. Seja feliz aqui também. Eu fiquei feliz em te conhecer. Mas vou voltar pra minha casa.

O desfibrilador foi acionado, os remédios injetáveis, entubada. Tudo foi feito como manda a medicina. Do nada, muito de repente, os batimentos cardíacos de Etelvina começaram a bater, de leve. Suspiros e emoções tomaram conta daquela sala de emergência. Por quanto tempo ficou, ninguém sabe. Mas Etelvina voltou. Transferida para um quarto, ali abriu os olhos, e recebeu o carinho de filhos e netos.

Mais uns dias, ela começou a se alimentar sozinha e teve alta. Voltou para casa.
Feliz e emocionada, passou a comemorar dois aniversários. O dia em que nasceu e a data em que renasceu.

Etelvina foi ao céu, e voltou.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

LILI

Muito pequena, desde que nasceu, Lili era um encanto de menina. Com seus lindos olhos verdes e um cabelo clarinho e com mechas, revelava o pequeno anjinho que era. Um anjo em forma de menina. Linda, meiga, linda cor. Uma pele alva como a neve. Um olhar doce, esculpido pelo Papai do Céu.

Tão linda menina que a todos encantava. Tão afetiva, tão simples em seu olhar. Linda e amada por todos aqueles que viviam naquela fazenda. Muita terra naquele imensidão do pampa. As veredas e as paisagens. Os pássaros que simples gorgeavam ao luar. Era incrível ver que aquele cenário servia de local para aquela menina viver. Lili corria pelos campos, subia nas árvores, ali imaginava estar voando para a lua. Conversava com os pássaros. Adorava imitar o som do quero quero. Todos sorriam para ela. As vacas, os bois, os bugios. Todos pareciam conhecer e sentir a presença de Lili naquele campo.

Filha e neta de fazendeiros, Lili adorava andar à cavalo. Ali passeava, andava pelos lindos campos. Campos enfeitados de verde, tudo para ela passear. Tinha seu próprio cavalo, o Faísca. Era bom de corrida, galopava pelos campos e por ali afora andava sem parar. Lili sabia e sentia e Faísca o obedecia.

Caminhavam e andavam pelos campos até que, um certo dia, um raio de luz veio sobre a menina e o cavalo. Aquele clarão se abriu e do céu uma luz alva e bela partia. O sorriso meigo e doce de mãe ali aparecia.

Aquela mulher, linda, de branco, surgiu. Para a pequena menina, falou:

- Oh linda e amada menina! Encanto e formosura. Pedacinho do céu para teus pais e teus avós. Sou a tua madrinha. Sou tua mãezinha lá do céu. De lá eu olho por ti e vejo o teu cantar. Vejo o teu falar com os pássaros. O amor que tens por esse chão.

Lili, ao olhar para aquela imagem de mulher, respondeu:

- Mãe linda e amorosa. Mãezinha do céu a quem eu converso todas as noites, antes de dormir. A ti que uno as minhas mãozinhas e peço e agradeço pela minha vida. Mãezinha, abençõa o meu pai, a minha mãe, a minha vó, meu avô, meus amiguinhos, os pássaros. Toda a tua criação, abençõa mãezinha do céu.

Cândida, com olhos para aquela menina, disse:

- Tu és a linda filha que teus pais tem. Tens a imensidão do ar, do céu, da terra, das estrelas. És amada por Deus. De onde estou, olho e te cuido. Seja feliz, minha linda menina. Agora está na hora de partir. Mas volto, volto outro dia. Sempre que quiser falar comigo, ouça o vento. Eu estou ali, perto daquele figueirão. Adeus, amada Lili.

E a luz alva partiu. Lili e Faísca voltaram a cavalo para a fazenda. Sua avó, ao vê-la, a chamou para tomar o café. Café com bolo de milho, chimia de fruta, pão caseiro, linguiça, tudo de bom do campo. Fresquinho e campeiro, no melhor estilo.

Depois de tomar o café, Lili vai para o seu quarto. Ali, seu papai, antes de partir para os trabalhos no campo, deixou uma cartinha. Um sorriso veio aos olhos da linda menina. O texto dizia:

Linda menina, dos olhos cor de mel
pedacinho do céu
da luz e da imensidão de meu Deus
Guriazinha campeira, a menina faceira
Se existe amor, a forma é tu
Se existe a luz, a claridade és tu
Filha minha, minha estrela cadente
Lili, uma bênção
Um só coração


Com amor, teu pai

Lili sorri e assim que ouve sua mãe a chamar, vai se preparar para dormir.
Sua mãe a chama, para tomar o banho, arrumar as lindas madeixas e colocar o pijama.
Amanhã, pequena menina, é outro dia. O sol está indo embora. Os bichinhos estão indo dormir. É hora da pequena ninar.

E assim foi a linda Lili, linda a dormir, linda a sonhar.

JUNTOS


Dois amigos conversam em um barzinho perto da faculdade. O assunto é o de sempre. Elas.

A loira havia mexido com a cabeça do garotão. Meio tímida, mas com um olhar fulminante, Paloma, esse era o seu nome, era mais do que uma flor. Um olhar forte, uma boca bonita, um sorriso perfeito, menina mulher, no caminho das divas.

A morena, Patrícia, ali estava. Morena meio mignon, nem alta e nem baixa. Cabelos negros, sorriso bonito, olhos cor de mel.

Aquelas duas mulheres haviam deixado Gustavo e Eduardo malucos. Foram a uma festa da faculdade e ali elas estavam, dançando e brincando. Riam muito. Mal imaginavam que, quando a banda de reggae se aproximou, os dois rapazes se aproximaram. Garrafinhas de ice na mão, sorriso elétrico, animados. Todos dançaram juntos no meio de uma roda. O reggae tava bom, a noite também. Acabou a festa, ninguém ficou. As duas eram jogo duro. Deram os seus telefones e levaram o mail dos meninos, era para trocar mensagens pelo Messenger.

Gustavo, na bobagem só, dizia:

- Que loirinha, cara. Tu nem imagina. Aquela guria mexeu com a minha cabeça. E com o meu corpo então. Cara, que gata, viu.

Eduardo também contemplava:

- E a Patrícia então. Que guria linda também. Baita gata. Tenho que combinar uma saída com ela.

Tá bom meu. Olha, que tal a gente combinar um cinema e depois uma pizzaria, no sábado?

- Amanhã, tu queres dizer Dudu. Amanhã é sábado.

- Cara, não tinha nem me ligado nisso. Mas é mesmo. Então tá, amanhã te mando uma mensagem. Mas já vamos marcar, amanhã, no shopping, às oito da noite, que tal?

- Tá bom. Então, fechado, Dudu. Até amanhã.

O sábado chegou. As mensagens no MSN já foram trocadas. E eles tavam lá, na Praça de Alimentação. Conversando e esperando as suas deusas. De repente, chegam as duas. Paloma caprichou no visual. Blusa de gola rolê branca, com echarpe, minissaia de couro, botas cano longo combinando com a saia, um mulherão. Patrícia não perdeu também. Colocou um conjuntinho verde e um sapato de salto alto preto. Tavam que tavam viu.

Os guris também tavam arrumados. Gustavo colocou uma calça social preta, camisa social branca e sapatos pretos. Eduardo também colocou uma roupa social. Calça social azul marinho, camisa social azul clara, sapatos marrons e um blazer azul marinho, combinando com a calça. Tavam na estica. Tudo isso para impressionar as deusas que ali apareciam.

Paloma chegou e cumprimentou Gustavo.

- Oi Gustavo, faz tempo que tu está aí me esperando?

Gustavo, embasbacado com o que via, responde:

- Não, Paloma. Não faz muito tempo não.

Ela pergunta de novo:

- Tu tá nervoso com alguma coisa? Estou bem... não sabia o que vestir.

Gustavo então responde:

- Tu tá tri bem. Está linda, mais linda do que já és.

Patrícia chega para Eduardo e o cumprimenta com um beijinho no rosto.

- Oi Eduardo, tudo bem? Atrasei muito também?

Eduardo, faceiro com aquela bela morena, responde:

- Não, não atrasou não. É um prazer te esperar, viu.

Os dois casais entram, conversando, no cinema. Pagam o ingresso, compram um combo e vão para a sala principal. Com pipocas, refirgerantes e docinhos na mão, vão ver o filme que prometia.

Acabou a sessão. Rolou algum beijo dentro da sala de cinema? Não. Mas rolaram muitas risadinhas, cochichos. Valeu a pena. O perfume delas e deles era muito bom, até na combinação de cheiros e aromas tudo parecia se encaminhar para o gran finale.

Saindo do cinema, todos foram para uma pizzaria bem bacana. Com música ao vivo, música romântica e uma vista espetacular da cidade. Chegaram no carro de Eduardo. Patrícia ao seu lado e Gustavo e Paloma no banco de trás.

Na pizzaria, mandaram ver no rodízio, tomaram vinho, refrigerante. A noite foi tudo de bom. Bacana mesmo. Ainda rolou uma dança de casais na pista de dança da pizzaria. E lá foram. Todos se deram bem. Gustavo dançou com Paloma e Eduardo dançou com Patrícia.

Saindo da pizzaria foram dar umas voltas de carro. Som romântico no carro. De repente, pararam em um mirante. Dali viam a cidade toda. Viam as luzes iluminando os apartamentos e as ruas. Viam os carros que circulavam e a bela lua da noite. O friozinho deixava tudo mais aconchegante.

As conversas não foram muitas. Beijos e abraços aqueceram a noite e o luar ainda ficou mais bonito para aqueles jovens. Beijos e mais beijos, abraços e mais abraços.
Ali começava o namoro dos amigos. Gustavo tava agora namorando Paloma. Patrícia agora passava a namorar com Eduardo. A festa da faculdade, o reggae, cineminha, pizzaria, dançar juntinho, ver o luar da madrugada, ali começavam duas histórias de amor.

E tudo continuava. Namorados, felizes. Dois amigos, duas amigas. Passeios em conjunto,viagens, jantares. Descobertas,novidades. A vida seguia o seu rumo. Com amor, é tudo mais gostoso.

Gustavo e Eduardo se deram bem. Paloma e Patrícia também.

MALHADO, ESSE VOCÊ PODE CONFIAR...

Em toda a rua de subúrbio, não tenho a certeza de todas porque não saí para contar, mas creio que em boa parte, há uma calçada estreita, carros antigos estacionados, casas com janelas pequenas e um cachorro, ou uma cachorrada latindo ou correndo atrás de alguma cadela no cio. Naquela rua onde morei, cresci, briguei, namorei, casei, tive meus filhos e de lá parti para outras paragens havia uma casa rosa. Amplas janelas denunciavam que ali moravam pessoas muito especiais. Uma delas era a dona Geni. Viúva de um policial civil, ex-delegado do bairro, dona Geni criou seus filhos – duas mulheres e um homem e hoje prepara deliciosos doces para esperar os seus quatro netos. Todo o domingo é assim. Aquela casa rosa, naquela rua de Ramos, no Rio de Janeiro, ganha um brilho ainda mais especial. O aroma frugal e doce que sai das panelinhas da cozinha de Dona Geni são os mais sensacionais. São sabores incríveis e também os mais apaixonantes. Porque a dona Geni é apaixonada por seus netos. Ela ama a vida. Dona Geni conta com duas proteções de peso: Jesus Cristo e o seu inseparável e fiel escudeiro: o Malhado.

É um cachorro digamos... nobre, único em sua espécie. Não que pertença a raça dos malhadus grandis peludis não, porque esta raça não existe. Malhado é um velho vira lata, branco, com manchas marrons no pelo e com um enorme rabo. Quando o rabo do Malhado balança, prepare-se: pode ser um gesto de carinho ou então um rompante de proteção a sua idosa e amada dona. Malhado não cuida só da casa de Dona Geni. Tem livre acesso ao pátio e ao corredor de casas de uma senhora também muito especial.
Dona Rosinha é vizinha de dona Geni. Também viúva, mora em uma casa ampla, com janelas azuis e parede branca. A casa de dona Rosinha é a primeira da pequena vila de casas onde fica situada. São inquilinos da dona Rosinha, o barbeiro Horácio, um senhor sexagenário, cearense, que mora com a costureira Raimunda. Raimunda tem as mãos de ouro. A primeira calça de linho feita por ela... a gente nunca esquece. Maria do Carmo, diarista, também mora num pequeno cômodo, com o bêbado e chato marido, o desempregado Osvaldo. O Osvaldo, este é uma “mala sem alça”. Quando não está bêbado, está de mau humor. Nem o mais belo dia de sol do Rio de Janeiro consegue fazer com que ele dê um sorriso. Acho que nem no dia em que seu filho, Pedro, nasceu, este homem não deu sorriso algum. Haja purgante e reza braba pra curar a chatice do Osvaldo. Maria do Carmo é mulher de fé. Não perde nenhum culto da Igreja Universal, principalmente as correntes. Ela tem uma fé inabalável. Fé que ajudou a curar Pedro de uma forte pneumonia quando criança. Pedro hoje é militar, é casado e não mora no Rio de Janeiro. Mora no Rio Grande do Sul. Maria do Carmo conta com o carinho de Geni, Rosinha e também dos vizinhos. Todos já disseram a ela para se separar de Osvaldo. Mas ela disse que o dia de ele sair de sua vida está chegando e que Deus fará a obra. Será? Acho que o caso de Osvaldo será difícil de resolver.

A semana passou. Choveu, fez calor, fez frio, deu praia, deu arrastão, deu ressaca. Assim é o Rio, acontece tudo ao mesmo tempo, principalmente no clima. Era domingo. O bairro ainda acordava. Simples, alegre, as ruas se enfeitavam, era um dia alegre no subúrbio. Era dia de pegar o trem na Leopoldina para comer churrasco na casa dos parentes, curtir um pagode no pé sujo da esquina, ver o jogo do Flamengo com amigos e, é claro, acompanhado de uma loira gelada. Na zona sul é bom, mas no subúrbio também é bom. Domingo no subúrbio é assim. Dona Geni acordou cedo, abriu a janela do quarto, olhou para o céu, viu o sol. Abriu a porta da cozinha e lá viu o Malhado, deitadinho, ainda acordando, pronto para mais um domingo de cuidados e de afagos pela vizinhança. O Malhado tinha até página de fãs no Orkut. O Malhado era conhecido por toda a rua. Era um cachorro amigo, um cão que protegia a todos. Acho que em sua morte, deveriam mudar o nome da rua. Batiza-la de Rua Malhado. Era o melhor nome que poderia se dar ao logradouro.

Dona Rosinha passou e chamou dona Geni no portão:

- Geni, vamos à igreja! Tá na hora, minha amiga!

Dona Geni, chega na janela e pede para Rosinha aguardar:

- Rosinha, estou dando comida para os pássaros e também o leite pro Malhado. Eu já vou com você. Me espere um pouquinho.

A amável Rosinha esperou e, sorrindo, deu um bom-dia para Maria do Carmo, que também saía de casa.

- Maria do Carmo, que cara é essa? Você não dormiu à noite?

Com os olhos marejados, a vizinha lhe respondeu:

- Não dona Geni. Osvaldo saiu ontem de casa e até agora não voltou. Tenho medo. Vou para o culto orar. Tenho medo que ele me mate.

Assustada, Rosinha lhe disse:

- Sangue de Jesus tem poder! Este louco não vai fazer isso. No mínimo ele foi para a Vila Mimosa e por lá se meteu com algum rabo-de-saia. Aliás, rabo não, com mulher sem saia mesmo. É um homem sem respeito. Larga este traste minha amiga!

Neste tempo, dona Geni chega e vê as duas conversando. Ela se aproxima e fala com Maria do Carmo:

- Minha querida Maria, o que houve? O que foi que o Osvaldo te fez? Dormiu fora de casa de novo?


Maria do Carmo confirma:

- Dormiu sim. Ele dormiu fora. Estou preocupada. Estou com medo que aconteça algo com ele e comigo também. É um homem muito doido. Está possuído pelo demônio.

Geni responde:

- Está possuído e perdido. Deixa este homem ir embora. Ele não te ama e também não te respeita. Você é uma mulher nova, bonita. Larga dele e vai pro Sul morar com o teu filho. Ele e a mulher dele são pessoas boas e vão te acolher na casa deles. Deixa este velho imundo ficar embaixo da ponte.

Com fé, Maria do Carmo sintetiza:

- Só Deus é que pode me separar deste homem. Também não o amo mais como marido. Mas eu não posso o largar. Só Jesus pode me salvar.

Conversando, as três amigas vão para a igreja. Maria do Carmo vai ao culto da Igreja Universal em Bonsucesso. É domingo de Santa Ceia. Geni e Rosinha vão até a igreja do bairro. Vão rezar para Santa Rita. Geni já deixou o doce de leite pronto e esfriando no tacho, deixou os legumes cortados e lavados para fazer um ensopado e também temperou, ainda no sábado à noite, o frango para servir com arroz e macarrão para a filha Alessandra, que vai lhe visitar com o Marido, Ricardo, e os netos, Thiago e Francisco. As crianças levam alegria a casa de dona Geni, e Malhado fica balançando o rabinho quando sabe que eles vão chegar.

A missa acabou e o culto também. Por coincidência, as três amigas se encontraram na parada de ônibus, próximo a rua onde moram. Ao voltarem juntas para as suas casas, ambas conversam:

- Maria do Carmo, será que Osvaldo já chegou em casa?
- Não sei dona Geni. Acho que sim. Deve estar deitado na cama, só de cuecas e bêbado, como sempre. Assim são os meus domingos, tristes, muito tristes.
- Menina, vá lá pra casa almoçar comigo. Hoje meus meninos não vão lá em casa me ver. Foram para Cabo Frio passar o final de semana com meu irmão que mora lá. Vou fazer um arroz com camarão. Vai almoçar comigo...
- Não sei dona Rosinha. Não posso deixar o Osvaldo sem comida não, disse Maria do Carmo.

Dona Geni entra em casa. Malhado, que está deitado no pátio, dá alguns latidos e balança o rabo. É sinal que algo aconteceu, ou vai acontecer. Dona Geni acarinha a cabeça do animal, abana para as amigas e entra em casa. Afinal, está quase na hora do almoço de domingo começar. Malhado sai da casa de dona Geni e acompanha dona Rosinha e Maria do Carmo até o pátio da morada. Dona Geni também acaricia a cabeça do animal e dá sorrisos. Maria do Carmo também gosta de Malhado. E brinca também com o cachorro. Malhado abre a boca, parece que está sorrindo e gostando da companhia de suas amigas. Ele balança o rabo e acompanha as duas.

Passado pouco mais do meio-dia, Alessandra e Ricardo chegam até a casa rosada de Dona Geni. São recebidos por Malhado, que late e pula no casal. Eles também saúdam o cachorro e as crianças já saem do Fiat Marea de Ricardo pulando e chamando pelo Malhado. Malhado brinca, joga bolinha com as crianças e assim vai o domingo. Um domingo de paz, um domingo de amor, um domingo de alegria. Alegria... até o final da tarde, quando uma grande confusão estoura no pátio de dona Geni.

Eram pouco mais de seis horas da tarde, quando uma gritaria veio do pátio de dona Rosinha. Nervosos, seu Horácio e dona Raimunda colocaram a cara para fora da porta. Da última casa da vila, vinham choros e gritos. Era algo fora do normal. Maria do Carmo gritava, pedia socorro, chorava e clamava a Jesus para salva-la. Eram copos quebrando, xícaras voando, coisas caindo no chão. Osvaldo berrava com a mulher. Eram gritos ilegíveis, misturados com palavrões. Parecia que o Diabo estava morando naquela casa. Dona Rosinha, assustada foi ao telefone e chamou a polícia. Enquanto a polícia não chegava, a vizinhança começava a se acumular na porta da casa da simpática moradora de Ramos. O futebol deu lugar àquela confusão. Era um fuzuê mesmo, com tudo o que tinha direito.

Alessandra ficou com as crianças em casa, para protege-las. Podia ser bala perdida, assalto, qualquer coisa. Afinal de contas, o Rio está violento sim. Ricardo saiu da casa e dona Geni, curiosa foi também para o meio da rua, tentar entender o que acontecia no pátio da casa da vizinha. Malhado arregalou os olhos, levantou as orelhas e abanou o rabo. Era hora de entrar em ação. O tumulto saiu do pátio e ganhou a calçada. Maria do Carmo saiu correndo de dentro do cômodo onde morava. E Osvaldo, com os olhos vermelhos e mais parecendo louco, sem camisa e de bermuda, com uma sacola numa das mãos, sai com uma faca em punho, para atacar a pobre e cristã Maria do Carmo. Envergonhada com aquele fisaco, Maria do Carmo sai correndo e vai em direção aos vizinhos. É um alvoroço só. Osvaldo, o louco, bêbado, e outras coisas piores, sai do pátio. Antes, olha para dona Rosinha, levanta a faca e diz:

- Eu vou voltar aqui. Vou acabar com a senhora, sua velha maldita. Antes, eu vou sangrar esta mulher. Vou sangrar e vou fugir. Polícia e ninguém vem atrás de mim. Se vir, eu me mato, eu corto os meus pulsos e vou culpar a vocês! Grita o enlouquecido Osvaldo.

Dona Rosinha, num ato de valentia, no alto dos seus 75 anos, olha para o homem e diz:

- Vai maldito! Vai embora, infeliz. Ninguém te quer aqui. Tu não mata ninguém, porque quem ameaça não faz. Ô meu Deus, obrigado por não fazer o teu filho ver esta tua baixaria. Ele não está aqui e eu vou ligar pro Sul e contar pra ele o que você ta fazendo com a mãe dele. Bandido! Sai daqui!

Maria do Carmo grita assustada:

- Osvaldo, vai embora daqui. Osvaldo, (diz chorando) um dia eu te amei, te conheci, tivemos o nosso filho. Ele cresceu, é um homem de bem, tem família. Agora você é velho. É um velho ruim. Jesus, me salva. Osvaldo, te perdôo, mas te peço. Não me mata! Vai embora, vai pra tua bebida, vai pras tuas vagabundas. Me deixa em paz! Jesus cuida de mim. Jesus vai me ajudar ...(choros) e eu vou embora morar com o meu filho, em Porto Alegre. Jesus, Jesus, me salva....

Foi neste dramático momento em que Osvaldo, que estava sendo contido pelo seu Horácio e por Ricardo, marido de Alessandra, filha de dona Geni, conseguiu se desvencilhar dos dois homens. Com uma força descomunal, ele partiu para cima de Maria do Carmo e, com a faca apontada para ela, e com uma sacola na outra mão, pegou a mulher de tantos anos e lutas pelos cabelos. Um grito e um choro fino marcou aquele momento. Maria do Carmo achou que ia morrer ali, no meio da rua, defronte aos vizinhos de mais de duas décadas.

Num ato de heroísmo, o Malhado, aquele cão branco com pintas marrons no pelo, deu um salto. A pontaria foi certeira. O animal pegou o braço esquerdo, onde o louco do Osvaldo conduzia a faca. Osvaldo, com raiva, pegou a sacola e começou a bater no cachorro. O cachorro rusnava e também olhava firmemente para o homem que o agredia também. Foi uma luta espantosa. Ninguém esperava ver aquela cena. Nem as idosas vizinhas, nem Maria do Carmo, que perdeu um pouco de cabelo ao se desvencilhar das mãos do marido agressor e nem o restante da rua, que via o Malhado como um cachorro tranqüilo.

Osvaldo, com o braço sangrando, largou a faca no chão. Ainda tentou desferir um golpe no cachorro, mas não conseguiu. Malhado deu o golpe perfeito. Uma patrulhinha entrou na rua, com a sirene ligada, tentando afastar a multidão da cena. Osvaldo, rápido e rasteiro, saiu correndo para o lado inverso ao do carro da polícia. Saiu com a sacola um pouco rasgada no braço e com o sangue pingando. As crianças da rua saíram correndo atrás dele, jogando pedras e o xingando. Chamavam-o de bandido, de batedor de mulher, de covarde, de tudo quanto eram ofensas. Naquela hora, as crianças fizeram a catarse que toda a rua queria fazer. O negócio era jogar pedra no Osvaldo. O agressor fez sinal para um táxi que passava na rua próxima dali , embarcou no veículo e sumiu.

Maria do Carmo foi trazida para o portão de dona Geni. Todos a acolheram. Nervosa, a mulher tomou um copo de água com açúcar e o policial militar que estava na patrulhinha convidou-a a lhe acompanhar até a delegacia do bairro para prestar ocorrência. Fora uma tentativa de homicídio, seguida de ameaça. Dona Rosinha, que não quis saber de confusão, não foi a polícia. Dona Geni, os netos, Alessandra, Ricardo, e toda a vizinhança, ficaram surpresos com um gesto inesperado.

Jamais esperavam que o Malhado, aquele cachorro velho, gordo e branquinho, iria ter um ato como aquele. Assim que Maria do Carmo entrou na viatura policial, acompanhada de dona Raimunda e seu Horácio, Malhado deu um latido e também entrou na viatura policial.

Como um último ato de bravura, de heroísmo, de fibra e de virtude, o cachorro foi à frente da viatura, em uma janela, com as patas cruzadas no vidro e latindo. Malhado quis ir até a delegacia acompanhar Maria do Carmo. Ele sim quis ser testemunha e também apontar a responsabilidade criminal de Osvaldo. Todos riram. Osvaldo não voltou mais para Ramos. Para onde foi? Nem Jesus Cristo não quer saber dele. Nem nós.

O pequeno Thiago, neto de Dona Geni, resumiu o fato com uma pequena frase:

- Malhado, este você pode confiar...

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Nasceu mais um blog meu. Nasce um blog que reflete um momento pelo qual começo a viver e a me dedicar. Um momento onde passo a escrever. Escrever para entreter, escrever para me comunicar.

Escrever, com amor as palavras, as histórias, ao cotidiano. Aqui sempre estarão publicados textos de minha autoria. Crônicas, trechos de livros - no caso, alguns trechos de meu primeiro livro, Nós. Também postarei perguntas acerca do enredo das histórias, onde vou buscar a tua opinião, leitor, blogueiro assim como eu.

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