segunda-feira, 31 de outubro de 2011

CHORO

O choro
lava a alma
acalma
abranda
encanta
constrói
destrói
parte de minha alma
parte que acalma

JUSTIÇA

Justiça
omissa
submissa
realista
futurista
Justiça
luta
enluta
enfraquece
falece
adormece
anoitece

NUDEZ

Minha nudez
é uma prova de minha insensatez
Minha nudez
é a mostra de minha timidez
Minha nudez
é a prova viva
aflita
aviva
de fazer pulsar
minha alma

AMOR À VIDA

O silêncio toma conta dos Martins. Todos aguardam com apreensão um telefonema que pode vir do hospital. Ernesto, pai de Eduardo, sofreu um acidente vascular cerebral e está em coma na Unidade de Terapia Intensiva. Ele dá força para sua mãe. Ana Maria não tem forças para seguir a vida, para seguir o restaurante que tem com o marido. Eduardo é um jovem muito forte, muito decidido. Maduro para sua idade, teve que passar a desempenhar a administração do restaurante junto com seu irmão João Pedro e sua mãe. A família tinha que seguir a vida. Seu Ernesto lutava pela vida. Todos tinham fé que ele iria vencer este episódio doloroso.

O telefone toca. Eduardo corre para atender:

- Alô, boa noite, quem fala?
- Boa noite, aqui quem fala é a enfermeira Miriam. Falo do hospital de Caridade. Estou ligando para informar que o senhor Ernesto teve uma melhora. Ele saiu do coma, abriu os olhos e pediu para chamar a família aqui. Vocês podem vir aqui no hospital?
- Claro, com certeza. Já estamos indo para aí.

Eduardo corre ao quarto de sua mãe:

- Mãe, vamos já para o hospital!
- O que houve, meu filho? Seu pai, ah, ele piorou?
- Não, mamãe, ele acordou do coma. Ele acordou e quer nos ver.
- Meu filho! que notícia maravilhosa! Eu quero ver seu pai sim. Me dá uns minutos, vai tirando o carro da garagem. Vamos para o hospital, agora.
- Posso chamar o João?
- Pode sim. Vamos todos. Vá acordar o seu irmão. É madrugada, está frio.Mas não vamos deixar de ir ao hospital, de jeito nenhum.

Todos se vestem rapidamente. Eduardo tira o carro da garagem e todos vão para o hospital. A noite estava fria, mas o calor aquecia o coração de todos. Queriam realmente ver o seu pai. Ana Maria queria ver e ficar perto do companheiro por mais de 40 anos de casamento.

Doutor Peixoto os recebe no corredor:

- Que bom que vocês estão aqui. Estou muito feliz. Ernesto acordou. Está querendo falar com todos. Eu vou deixar entrar um por vez. Não é hora de visitas, mas a situação é especial. Eu estou aqui e já conversei com a madre superior sobre o caso.

Ana Maria entra primeiro. Vai até a beira do leito onde o marido está. Ainda tem aparelhos ligados a seu corpo. Os monitores acompanham o ritmo do coração, os batimentos, a pressão arterial. Uma bomba de infusão ministra o soro e também os demais medicamentos para evitar a coagulação do sangue. A máscara do oxigênio é afastada um pouco do rosto de Ernesto. Assim que ele vê a esposa, a companheira de uma vida, ele sorri. Milagrosamente, começa a falar:

- Meu amor, que saudade. Voltei, estou vivo. Eu vou me levantar desta cama em breve!
- Vai meu velho. Com certeza. Que susto tu nos deu. Nós pensávamos que tu irias não voltar mais. Como eu vou viver sem ti! Eu preciso tanto de ti, do teu amor. Preciso do teu calor, da tua companhia na hora do mate no fim da tarde, dos nossos passeios no parque, das nossas viagens para a praia no verão. E do teu abraço, do calor do teu beijo...
- Ana, eu te amo da mesma forma a qual te amei. Desde quando tu eras uma menininha. Fazia o Normal. Namoramos, noivamos, casamos. Temos nossos filhos. E meu amor não mudou. Tudo permanece igual. É por isto que sou feliz. Que me sinto feliz, me sinto pleno e próximo de ti.

- Eu te amo, minha velha. Te amo muito!
- Eu também, meu velho.

Ana Maria sai chorando da UTI. Se abraça ao seus filhos e diz:

- Graças a Deus, nosso Ernesto escapou. Ele está vivo. Ele vai viver, ele vai viver e é um milagre, é um milagre!

Ricardo e Eduardo também se abraçam e choram. Todos ficam felizes por ver a recuperação de Ernesto. Um pai amigo, um pai exemplar. Um homem batalhador, que deu sua vida para a família e para o restaurante. Bem frequentado e no centro de Santa Maria. Cidade a qual vivia, desde que veio da fronteira oeste com sua esposa e com os dois meninos, ainda pequenos.

Ernesto sobrevive, tem alta e, depois de quase um mês de internação, vai para casa. Em um momento, pede para que Eduardo o leve no restaurante. Queria realmente pisar no local onde tira o seu sustento e onde criou seus filhos, fez amigos, ajudou a construir o patrimônio gastronômico de Santa Maria. A noite estava caindo e o restaurante estava com as cadeiras levantadas, colocadas com o assento virado para as mesas. O ambiente estava limpo, mas faltava voltar a abrir. Todos aguardavam o retorno de Ernesto para retomar as atividades naquele espaço.

Ernesto entra sozinho no restaurante. Puxa a cadeira e se senta. Como em um momento, toma um grande susto. Vê uma luz branda, uma luz, um clarão baixo entrar pelo salão, adentrando aquele espaço. A imagem de uma moça, cândida, com um olhar terno, uma moça negra, envolta em um manto com as cores da bandeira do Brasil e com uma coroa brilhosa, feita com ouro, vem até o comerciante. Vem e fala:

- Foi o amor, o amor de todos que te trouxe de volta, querido Ernesto. És um pai exemplar, um marido amável e zeloso. Uma pessoa querida por todos nós. Ernesto, você merece mais uma chance. A chance de ver realizar um grande sonho seu. O sonho de ter um neto, de levá-lo ao futebol, levá-lo a pescar. Realizar também o desejo de Ana. Uma criança para brindar no seio da tua família.

- Virgem! Virgem Santa! Não acredito que tu estás aqui. Que tu se materializou em minha frente. Achava que tu jamais viria aqui. Nos momentos de minha dor, quando achei que não iria sobreviver e resistir ao derrame, eu achava que não ia voltar. Eu chamei por ti. Minha santinha!

- Eu vim, querido Ernesto. Eu vim para dizer que as tuas orações chegaram a mim. Eu te atendo e vim aqui para dizer que também estou feliz, como a tua família, com a tua volta. Você é importante para todos nós. Agora, com saúde, se recuperando, vai reabrir o restaurante. Obrigado por me chamar nos momentos mais difíceis da tua vida. Porque aqui eu estou. Eu vim para responder as tuas orações.

- Nossa Senhora Aparecida! Minha santinha! Minha santinha negra, santinha que vive no meu coração desde criança. Santinha dos brasileiros, minha santinha, obrigado por vir aqui. Obrigado por me acolher, obrigado por receber as minhas preces, o meu pedido pela vida. Eu tenho muito amor pela minha vida, pela minha casa, pelas minhas coisinhas. Eu aceitaria se fosse a vontade de Deus em partir. Mas ficaria com saudade de todos que aqui ficariam. Mas voltei, e vou continuar te tendo em meu coração. Tu vais continuar sempre no altar, ali no alto da portada que vai para a cozinha. Tu és a minha santinha, e tu existe..

- Bem, Ernesto. Está na hora de voltar. Voltar para casa, para junto de Deus. Mas saiba, Ernesto, sempre estarei contigo. Tua volta foi um milagre. Uma prova de amor à vida. Amor as coisas, amor a tudo o que te recebeste. Meu filho, fica com Deus, me dê a tua mão. Eu agora volto para o céu. Ernesto, meu filho, meu amado filho, fica em paz.

A santinha parte e Ernesto se põe de joelhos a chorar. Ele realmente viu e presenciou Nossa Senhora em sua frente. Viu e ela apareceu lhe trazendo a boa nova. Alguns meses se passaram e Eduardo veio comunicar a gravidez de sua namorada, Fabiana. Ela estava grávida de dois meses. A notícia foi de comemoração para a família. Eduardo casou com Fabiana e a fala de Nossa Senhora se cumpriu. Os meses se passaram e veio um lindo menino. Mateus nasce para a alegria e a felicidade de seus pais e de seus avós.

E os anos se foram e uma linda imagem foi registrada no livro da vida. Seu Ernesto foi até a barragem pescar. Quem lhe fez companhia? seu amado netinho, Mateus. Os dois sentaram na beira de um pontilhão e ali ficaram, avô e neto, esperando os peixinhos fisgarem a isca.

Amor à vida

domingo, 30 de outubro de 2011

UM AMOR ESCRITO À BEIRA MAR

Luiza acordou pé por pé. O dia estava raiando e ela queria ver o sol nascer na beira do mar. A casa onde morava ficava na beira da praia. As ondas beijavam os seus pés. O barulho do mar era uma bênção para os seus ouvidos. Luiza sempre acordava antes do sol raiar. Saia com seu velho pai para empurrar o barco. Ele e seus primos iam para o alto mar buscar os peixes para vender na praça do vilarejo, junto com outros pescadores. Luiza se criou na pequena São Miguel. Um vilarejo pequeno do litoral de Santa Catarina. Uma igreja, na pracinha principal do lugar. Ali tudo acontecia. Luiza, a bela morena, faceira, caiçara, criada no lugar. Era a filha mais velha das cinco filhas do seu Silva.

A bela morena acordou e foi ver o mar. Tirou as sandálias e foi caminhar descalça, sentindo a brisa. O vento soprava leve, o dia prometia ser quente, como uma típica manhã de verão. Seu pai não tinha saído para o mar naquele dia. Era época do defeso e os pescadores recebiam para ficar em casa. Em período de reprodução de peixes, a família improvisava a sobrevivência. Dona Maria, a mãe de Luísa, fazia artesanato para vender. Tinha as filhas menores para ajudar no ofício. Seu Silva aproveitava o período para trabalhar no único restaurante da vila. Fazia um pouco de tudo. Ajudava a servir as mesas, ajudava na cozinha, no que fosse realmente preciso.

Luiza trabalhava na única pousada do lugar, mas estava de folga naquele dia. O final de semana foi agitado. Com o verão, muitos turistas chegam na pequena São Miguel. Trazem dinheiro e sobrevivência para os nativos, que do mar dependem para viver.

De pés no chão, correu, chutou as ondas. Brincou numa ciranda, como se criança fosse, lembrando das estrepulias que fazia em São Miguel. Das vezes em que subia no pé de jabuticaba para comer fruta, dos mergulhos na praia, das vezes em que jogava futebol com os meninos, brincava de casinha com as irmãs. Luiza era uma moça faceira, vistosa, sempre com vestidos coloridos, cabelos negros soltos, entregues ao vento. Um rosto de feições delicadas, que não perdia a leveza e a beleza, apesar de todo o sacrifício pelo qual vivia.

Luiza caminha até as pedras, senta e fica olhando o mar. Admira o sol nascer. Ela achava que estava só naquela praia. Não viu que um rapaz se aproximara, também para ver o sol raiar. Logo, o rapaz se aproximou da caiçara...

- Com licença, eu posso me sentar aqui?
- Pode sim. Tu vieste ver o sol também?
- Vim. Este lugar é mágico. É um paraíso na terra. Não imaginava que existia.
- Aqui é um paraíso sim. O sol nasce e nos brinda com o seu calor. Seus raios nos deixam com mais vida. O mar nos banha, nos dá alimento e sustento. Tu não és daqui?
- Não. Ah, muito prazer. Meu nome é Maurício. Estou passando uns dias na pousada, cheguei ontem à noite.
- Prazer é meu. Meu nome é Luiza. Eu moro aqui em São Miguel. Sempre vivi aqui. Cresci correndo na praia, subindo em árvore. Conheço todo mundo aqui neste lugar.
- Desculpe. Mas você não ficou com medo da minha abordagem?
- Não. Eu senti que você não viria me fazer mal algum. Que você é do bem.
- Obrigado. Que bom ter uma companhia para ver o dia nascer...
- Eu costumo vir aqui sozinha. Aqui eu converso com Deus. Eu olho para o céu e peço coisas boas. Eu sempre acordo cedo. Ajudo o meu pai a botar o barco no mar. Ele é pescador.
- Deve ser um paraíso viver aqui. Eu trocaria tudo na cidade para ficar aqui.
- Tu moras onde?
- Eu moro em São Paulo. Trabalho na área financeira. Vivo estressado e com a cabeça cheia de números. Tive um esgotamento físico e mental. Meu médico recomendou-me uns dias de licença. Vim para Santa Catarina por indicação dele. Especialmente para São Miguel. Ele conhece o vilarejo. Disse que aqui eu iria me encontrar.
- Se eu te fizer um convite, tu aceita?
- Qual é?
- Vamos tomar um banho de mar. O sol já está nascendo?
- Vamos.

Luiza e Maurício entram no mar. Tomam um banho de mar de roupa e tudo. Maurício sente a delícia da onda a bater em seu corpo. Luiza brinca como criança. Os dois jogam água um no outro, correm pela beira da praia. Se divertem como se fossem duas crianças. Depois, cansados, voltam e se sentam na beira do mar. Luiza e Maurício voltam a conversar:

- Luiza, você me fez sentir criança. Eu jamais imaginei que tomaria banho de mar de bermuda, camiseta, chinelos. Eu transgredi, eu fiz algo que jamais fiz.
- Maurício, que bom. É tão bom a gente se entregar ao novo, a novas emoções, sensações. Que bom, tu está bem?
- Eu estou ótimo. Bem, Luiza, obrigado pelo belo início de dia que me ofereceu. Eu acho que a gente se cruza de novo aqui na praia, não?
- Claro, eu moro aqui. Eu trabalho na pousada onde tu está hospedado. Hoje estou de folga, mas a gente volta a se ver.
- Luiza, obrigado, olha, um bom dia.
- Para ti também, Maurício.

Maurício volta para a pousada, toma um banho, lava a roupa para tirar o sal do mar e vai tomar o café da manhã. Volta para o quarto e vai dormir. Afinal, estava ali em São Miguel para descansar. Maurício dorme e em seu sonho, a fantasia se mistura a algo tão real. Maurício se vê um pescador, o qual prepara o barco para sair ao mar. Vai ao mar e, de repente, o tempo vira. Um temporal começa. As ondas ficam revoltas e ele e outros pescadores caem ao mar logo que o barco vira, após sucumbir a uma onda gigante.

Maurício vai ao fundo. Vê que não consegue voltar a superfície e começa a se afogar. Quando tem a nítida impressão que vai morrer, sente que perde as forças e se vê afundando. Em um passe de momento, algo mágico, sobrenatural, excepcional, é carregado pelos braços para a superfície. Assim que abre os olhos, vê aquela mulher o carregando para a praia. Ele foi salvo, ele teve sua vida estabelecida de volta. Aquela mulher, morena, sorria para ele. Sem entender, aquela mulher lhe deu um beijo nos lábios, passou a mão em seu rosto e voltou para o mar. Viu que ela tinha nadadeiras e o restante de seu tronco era de um peixe. Maurício foi salvo por uma sereia. Contrariando o que diz a lenda, a sereia não o carregou para sempre, mas o devolveu a vida. E a sereia tinha o rosto e os cabelos negros de Luiza. A caiçara da praia de São Miguel que ele havia conhecido no por do sol daquele dia que começava. Um dia o qual ele foi buscar descanso. Para aliviar o estresse e a loucura da vida conturbada que tinha na grande cidade.

Assustado, Maurício acorda daquele sonho. Vai para o banheiro da suíte, lava o rosto e fica a olhar para o espelho. Olha e vê novamente o rosto da morena. Vê Luiza na porta do pequeno aposento. Vê a morena a sorrir, a olhar para ele e dizer que havia voltado. Que havia ido até lá para ficar com ele. Loucamente, ele se atirou nos braços daquela mulher e a ela lhe entregou o seu ser. Novamente, assustado, abre os olhos e vê que não estava a amar ninguém entre aqueles lençóis. Começou a imaginar a sua loucura, a sua demência. A morena estava lhe tirando do sério. A morena fazia o corromper todos os seus sentidos, os mais loucos, os mais normais, os mais anormais. Maurício não conseguia controlar o que sentia. Havia perdido a sua postura e o seu controle sobre tudo. Estava envolvido por aquela mulher. Uma mulher diferente, uma mulher estranha a tudo o que conhecera. Foi para São Miguel para relaxar. Esquecer inclusive de Cinara. Sua ex-noiva, a qual ele teria rompido noivado dias antes após descobrir a sua traição. Cinara o traiu com Alexandre, seu primo e melhor amigo. Aquela infidelidade teria agravado o estresse emocional do rapaz, o qual completava dois anos trabalhando sem férias. Maurício trabalhara para comprar o apartamento e também mobiliar a casa a qual viveria com Cinara. Sua namorada desde os 18 anos. Maurício estava com 30 anos. Jovem, bonito, apaixonado por Cinara, a mulher que cravou uma faca em seu peito.

Maurício sai pela praia. Sai a procurar algum vestígio de Luiza. Queria novamente ver aquela mulher. Ver se era uma fantasia ou se sentiria algo novamente por ela. Se suas pernas ficariam trêmulas ao vê-la. Sai a caminhar pelo vilarejo e encontra Luiza. Ela caminha próximo a praça do lugar. Assim que a vê, vai cumprimentar a jovem:

- Luiza! Boa tarde!
- Boa tarde, Maurício. Como vai?
- Estou bem. Fui para a pousada tomar café, dormir um pouco. Você está ocupada?
- Não. Estava aproveitando o meu dia de folga. Estava caminhando um pouco por aqui. Vamos até o quiosque do Zé, é bem ali.

Os dois chegam no quiosque. Luiza pede uma cerveja bem gelada e uns camarões fritos. Os dois se pararam a conversar:

- Maurício, este lugar é inesquecível. Tu ficas aqui até quando?
- Eu vou embora no final da semana. Tenho que voltar para a minha rotina. Eu queria ficar aqui mais um pouco. Talvez volte nas minhas férias.
- Volta sim. Tu estás aqui para descansar...
- Sim. Eu estou me curando. Na alma, no corpo..
- Na alma... deixou um grande amor para trás.
- Não. Eu fui deixado por um grande amor.
- Mesmo?
- Sim. Eu estava com o casamento marcado para daqui há duas semanas. Descobri que minha noiva me traía com um primo meu. Meu sócio no escritório. Melhor amigo, frequentava minha casa. Para mim foi um golpe.
- É absurdo. Mas espero que tu fiques bem, que tu cures e que volte para cá logo.
- Eu quero voltar sim.
- Maurício, tu estás a fim de ir a uma festa comigo hoje à noite?
- Festa? Onde, aqui?
- Sim, vai ter uma roda de samba e música da praia. O pessoal que vai tocar é daqui mesmo. Os turistas geralmente vão e adoram. Quer ir?
- Eu vou sim.
- Tudo bem. Olha, a gente se encontra aqui na praça às oito da noite. A festa é aqui perto, tudo bem?
- Claro, por mim está bom.
- Maurício, o papo está ótimo, mas vou andar. Preciso passar em casa. Olha, a cerveja e o camarão é por minha conta. Tchau.

Luiza sai a andar de volta para casa. Se arruma, toma banho, coloca um vestido branco, com rendas, folgado e uma sandália rasteira de couro. Escovou bem os cabelos negros, lisos, escorridos e pôs um batom vermelho. Retocou as unhas com esmalte vermelho e se preparou para aquela noite festiva. Dona Maria lhe diz:

- Filha, tu estás uma boneca. Linda, bela, formosa. Aproveita a festa. Tudo isto é por que? Conheceu alguém. Tem homem novo na vila?
- Mãe estou me arrumando porque gosto. Ah sim, conheci um rapaz sim. Ele se chama Maurício. Ele mora em São Paulo e está passando uns dias aqui na vila. Ele é bonito, forte, formoso. Homem moreno, pele morena. Muito bonito sim. Eu o conheci na praia.
- Filha, cuidado com estes homens de fora. Cuidado para não te levar pra longe. Tu não podes sair de São Miguel. Aqui é o teu mundo. A tua aldeia, o teu povo...
- Mãe, eu tenho certeza que ele vai ficar aqui. Vai se encantar com São Miguel.
- Teu pai sabe que tu estás conhecendo um homem?
- Mamãe, eu nem estou namorando ainda. Só conheci. Não posso dizer nada, sabe.
- Bem, tu sabes que teu pai não quer te ver aí como uma rapariga na praia. Ele vai brigar contigo, minha filha.
- Mãe, fica tranquila. Eu sei o que estou fazendo. Eu não vou me deixar levar por homem forasteiro. Ele é bonito, mas eu pouco o conheço. Ele parece ser um homem decente, um homem direito.
- Que bom, minha filha. Vá para a festa e cuidado.

Maurício, já ansioso, aguardava a bela morena no banco da praça. Luiza aparece, bela e formosa, pronta para o levar para a festa. Antes, o convida para tomar uma cerveja no quiosque. Os dois vão.

- Luiza, você está linda. Posso te elogiar?
- Claro que pode, Maurício. Tu também está muito bonito. Gostei desta camisa pólo azul, combinando com o teu jeans. Estás elegante. Olha, vamos fazer um brinde. Tudo bem que o copo é de plástico, mas vale. Um brinde a noite.
- Claro, um brinde.

Luiza e Maurício vão para o samba. A festa está cheia. Tomam cerveja, dançam, dão risada e se divertem. Dançam juntinho, dançam separado. Aproveitam a noite mesmo. O grupo toca sem parar. Luiza conhece todo mundo da festa. Fala com um, fala com outro. Já tinha sido a garota São Miguel, disputou o concurso de a mais bela pescadora da região, ficou em segundo lugar. A morena bonita deixava Maurício louco, a perder de vista. A festa termina e ambos saem pelas ruas do vilarejo. O barulho do mar e o silêncio, apenas com o coachar dos sapos e das cigarras dá o tom da noite. Maurício resolve levar Luiza até a sua casa. Assim que chega, se despede da morena:

- Luiza, obrigado pela noite. Estava triste. Agora estou alegre.
- Maurício, não precisa agradecer não. Olha, tu queres vir aqui amanhã na hora do almoço?
- Você não vai trabalhar amanhã?
- Vou sim, mas só à tarde. Venha aqui amanhã na hora do almoço, venha almoçar com a gente, comer um peixe. Te apresento para a minha mãe, minhas irmãs, meu pai. Tu aceita?
- Aceito sim. Boa noite, Luiza.
- Boa noite, Maurício.

Os dois se despedem com um beijo no rosto, comportado. O dia amanhece e Maurício cedo acorda. Não consegue dormir. Se vê como um adolescente que descobre o primeiro amor. Há muito tempo não sentia aquela sensação em sua vida. Maurício estava morto no amor. Acomodado em uma relação. Jamais imaginara que poderia se interessar por alguém, em especial em uma viagem a Santa Catarina. Nada era programado naquela hora. Nem o que poderia descobrir.

Maurício chega a casa de Luiza e ela o vem receber na frente da casa. Ela o cumprimenta e o convida para entrar. O apresenta para seu pai, sua mãe e suas irmãs. Todos vão a mesa para comer. O peixe ensopado estava pronto. Era um dos últimos que ainda tinham em casa. Seu Silva iria para o mar no outro dia, para pescar peixe espada e outros da terra.

- Rapaz, tu pescas?
- Eu não pesco. Mas eu admiro a vida dos pescadores. Estão sempre em contato com o mar.
- Se eu te convidar para sair comigo amanhã pela manhã, assim que o dia estiver raiando para o mar, tu aceitas?
- Eu vou sim.
- Que bom, rapaz. Para entrar na família Silva tem que gostar de pescar.
- Papai, não deixe o Maurício encabulado. Não repare, papai é assim mesmo.
- Não estou encabulando não, filha. Se ele vai namorar contigo, eu tenho que saber se ele sabe pescar. Se não sabe, ensino. Vem comigo, rapaz. Vem comigo me ajudar a arrumar a rede.

Maurício prontamente foi junto com o senhor Silva para arrumar a rede para a pesca da manhã seguinte. Dona Maria chama Luiza para ajudar a tirar a mesa e lavar a louça do almoço.

- Minha filha, que rapaz bonito. Vi que teu pai gostou dele. Tem um comportamento diferente, refinado. Não é igual a estes caras daqui.
- Mamãe, vocês estão tratando ele como meu namorado. Eu ainda não disse nada. Nem sei se vou namorar com ele, sabe mamãe.
- Ah, mas teu pai não entende estas coisas de amizade. Ele acha que ele é o teu pretendente. Já o convidou para pescar com ele amanhã.

O dia segue, a noite vem e, na madrugada, Maurício chega na frente da casa dos Silva. Já está pronto para sair para o mar com o pai de Luiza e mais outros dois rapazes, Rodrigo e Renato, primos de Luiza e que também moram em São Miguel. Seu Silva apresenta o jovem paulista a eles e todos começam a arrumar a rede, as bóias, as iscas, tudo para ir para o mar. Vão para o atracadouro e saem com o barco, ainda com a noite fechada. Maurício coloca uma bermuda jeans, camiseta e chinelos. E sai junto com os pescadores. Queria sentir como era ser um pescador. Queria viver aquela emoção, aquele momento único.

Ajudou o seu Silva a jogar a rede. E ali o barco parou, ficou a deriva das ondas e também dos peixes. Seu Silva chegou a ele e disse:

- Hoje vai dar peixe e peixe bom. O vento está soprando do sul. Não está frio, mas o vento sopra, sabes. Logo esta rede vai estar cheia. Vamos voltar para a praia com peixes. Muitos peixes.

E a rede encheu, era peixe espada, siris, alguns camarões. Voltaram para o atracadouro. Levaram as cestas para pesar e, ao final do trabalho, seu Silva deu uns peixes para Maurício. Disse:

- Rapaz, tu levas jeito para a coisa. Vi como és calmo e como sabes ouvir o que os velhos te falam. Leva estes peixes para ti. Pede para a dona Conceição, lá da pousada, fazer para ti. Vais comer bem e lembrar da gente.

Maurício abraça o velho Silva, agradece:

- Nunca havia saído para pescar. Foi uma experiência única na minha vida. Obrigado seu Silva. O senhor me fez lembrar meu avô. Lembrei de minha infância, quando saia para o campo com meu avô. Ouvia os seus ensinamentos. Tenho muita saudade dele.
- Rapaz, gostei de ti. Quando é que tu vais embora?
- Eu vou daqui há três dias. Espero voltar aqui em breve. Este lugar mexeu muito comigo.
- Eu sei que tu vais voltar. E não vais mais sair de São Miguel. Aqui está a tua vida. Aqui está o teu futuro, tua família. Um dia tu vais me entender, rapaz.
- Por que o senhor diz isto?
- Porque está escrito no céu. Tu vieste para cá para reescrever a tua vida. Reescrever a tua história. Começar tudo de novo. Este mundo não é o teu. Aquele que tu vens também não é o teu.

Maurício vai para a pousada, sem entender nada. Chega no quarto, toma um banho e vai se deitar um pouco. Antes, passa na cozinha e deixa para a dona Conceição os peixes que ganhou. A pousada estava vazia, só tinham três hóspedes. Um deles era Maurício.
O rapaz fecha os olhos e se põe a sonhar. Se vê de mãos dadas com Luiza, correndo na beira da praia. Os dois corriam em direção a uma pequena criança. Uma linda menina que vinha ao encontro dos dois. Ambos abraçavam a criança e se punham a rodar e a brincar. Um sorriso nos lábios. E aquela cena fez Maurício acordar. Sem imaginar o que acontecia com ele e com sua cabeça.

Luiza vai até a pousada para trabalhar. Ali, encontra Maurício sentado em uma sala, olhando para o horizonte. Ela o vê e o cumprimenta:

- Maurício, tudo bem contigo? Tu gostou de sair para pescar com meu pai?
- Gostei sim. Eu fiquei muito emocionado com o que vivi. Sabe, Luiza, meu pai morreu quando ainda era criança. Tenho apenas minha mãe e meu irmão. Senti muito quando meu avô também morreu. Ele foi uma referência de pai a qual tive para a vida. Quando sai com teu pai para o mar eu senti uma forte lembrança. Eu lembrei de meu avô. Lembrei de quando saia com ele para o campo. Ele tinha uma chácara no interior e eu passava as minhas férias lá. Tirava leite da vaca, ia para o campo ajudá-lo a plantar, colher. Era uma vida maravilhosa. Assim foi a minha infância e juventude.
- Meu pai também disse que gostou de ti. Disse que tu és aplicado e que o ajudou no manuseio da rede. Meus primos também gostaram de ti. Que bom que nós pudemos te dar estes momentos alegres.
- Luiza, eu quero te dizer algo...
- Diga..
- Eu estou sofrendo muito por ter que ir embora.
- Tu já vais depois de amanhã.
- Mas eu quero voltar, eu quero ficar aqui. Depende de algo..
- Depende de quê, Maurício?
- De você me dar sim. De você aceitar ser minha namorada. Desde aquele dia em que tomamos banho de mar, desde sempre eu não consigo parar de pensar em você. Você mexeu com minha cabeça, com meus sentimentos... eu não sei o que faço. Eu estou apaixonado por você, Luiza.
- Maurício, eu quero dizer que também penso em ti. Me arrumei para ir ao samba pensando em ti. Te convidei para ir a minha casa porque também imaginava que poderia, quem sabe, me aproximar de ti. Te namorar, entende?
- É claro que te entendo. Luiza, eu estou te amando..
- Eu também, Maurício.

Um longo beijo sela aquela declaração de amor. Ambos começam a se abraçar e a se beijar. Luiza esquece o trabalho e se põe a abraçar o rapaz, ali mesmo, naquela sala. O dono da pousada havia saído e os dois estavam ali. Um longo beijo e um longo abraço começavam a marcar aquele momento, o qual seria de grande e profundo amor.

Luiza terminou o seu expediente e os dois foram caminhar na praia. De mãos dadas. Os curiosos do vilarejo, que conheciam a morena, observavam e cochichavam sobre o belo casal. Os dias correm e Maurício precisa voltar a São Paulo. Antes de partir, vai até a casa de Luiza e conversa com seu pai:

- Seu Silva, eu preciso conversar com o senhor.
- Já sei. Vai pedir a mão de minha morena em casamento?
- Eu quero pedir a mão dela em namoro. O senhor permite?
- Claro que sim. Eu gostei de ti, rapaz. Vi que tu és um homem sério, direito, decente. Tu vais embora amanhã para São Paulo?
- Infelizmente vou. Mas eu não sei o que faço de minha vida.
- Vou te dar um conselho, meu filho. Vá até lá, decide a tua vida e volta.
- Voltar? O senhor diz para mim voltar?
- Claro que sim. Tu podes voltar sim. Eu arrumo uma casa para ti ficar.
- Eu não estou entendendo nada. Absolutamente nada.
- Não é para entender, rapaz. É para viver. Aqui em São Miguel a gente procura não entender, mas sim viver.

É chegada a hora da partida. Luiza vai até o ônibus que leva os viajantes até Florianópolis. Ali se despede de Maurício:

- Meu amor, promete que volta? Não vais deixar o meu coração partido...
- Luiza, eu vou a São Paulo para resolver a minha vida. Eu não posso mais ficar longe de ti.
- Meu amor, me liga quando chegar..
- Ligo sim. Eu volto. Em breve eu volto.

Os dois se despedem com beijos e abraços e o ônibus parte. Vai subindo o morro e a vista para o mar e as montanhas é de tirar o fôlego. Estava realmente saindo do paraíso. Maurício olha para o vilarejo e para os barcos parados e se põe a chorar. Um choro baixo, em silêncio. Maurício sentia que algo tinha mudado sua vida. Sentia que seu coração e sua alma tinham ficado em São Miguel. Via em sua frente o olhar cândido e amável daquela morena. Via Luiza vestida de branco, vestida de noiva, via Luiza grávida de seu filho, via ao lado seu Silva, dona Maria, as pequenas Letícia e Rebeca, via aquela família como também sendo sua. Via que voltava para São Paulo. Para uma vida a qual não era mais sua. Voltava para a relação fria e gélida com sua mãe. Uma mulher depressiva, que tomava medicamentos, que era infeliz em um novo casamento, via que nada mais em sua vida tinha a importância a qual devia. Tinha que resolver o que fazer com o apartamento, o qual comprou e pagou tudo sozinho.

Assim que chega a São Paulo vai para sua casa. Chegando, conversa com Ricardo, seu irmão mais novo.

- Ricardo, eu resolvi algo em minha vida..
- Fala, mano. O que você resolveu?
- Eu vou voltar para Santa Catarina. Eu conheci alguém lá. Conheci uma linda morena. Ela se chama Luiza. Começamos a namorar e eu vou embora para lá viver com ela.
- Você está maluco mesmo! Mulher de praia a gente pega, dorme e deu. Amor de praia não sobe a serra. Já esqueceu isto, Maurício?
- Não, Ricardo. Com esta foi diferente. Eu a vejo casando comigo, vejo a grávida, tendo filhos. Morando em uma casa naquele vilarejo. São Miguel mudou a minha cabeça. O amor da minha vida está lá. Eu não quero mais esta vida.
- Maurício, acho que você está maluco. Cara, você vai largar tudo isto, este vidão, a nossa vida e vai morar na beira de uma praia, com uma mulher morena, de lá, nativa. Eu acho que você está maluco. Mas, meu irmão, a vida é sua. Vá mesmo. Seja feliz. E me manda o endereço que eu vou lá nas férias te visitar.
- Como eu conto para a mamãe sobre isto?
- Ela vai ficar maluca contigo. Imagina. E o apartamento?
- Vou botar a venda. Pego o dinheiro e compro uma casa e um carro lá em Santa Catarina.

É chegada a hora de conversar com Margarida. Tinha que contar a sua mãe o que ia fazer de sua vida:

- Mamãe, eu posso conversar com a senhora?
- Pode sim, filho. Como foi a viagem? Descansou a cabeça?
- Sim, mamãe. Mas não foi só isto?
- Você se meteu em alguma confusão.
- Não. Melhor. Eu conheci uma pessoa em Santa Catarina. Eu estou envolvido, apaixonado. O nome dela é Luiza. Mora em São Miguel.
- Você está louco! Desatinado! Sai para descansar a cabeça, termina com Cinara um namoro de anos e agora diz que acabou conhecendo uma moça de beira de praia.. você enlouqueceu. Só falta me dizer que vai embora para Santa Catarina. Aí eu vou ter é um ataque.
- Mamãe, eu vou embora morar lá em São Miguel.
- Seu louco! Você enlouqueceu! E as suas responsabilidades, e o escritório com seu primo Alexandre, e as responsabilidades. Você acabou de comprar o apartamento que queria, mobiliou, vai fazer o quê, com tudo o que investiu? Largar tudo para aventurar... vai viver do quê em Santa Catarina?
- Mamãe, eu quero viver ao lado dela. Eu estou apaixonado. Mamãe, eu não vou abrir mão deste amor.
- Traga esta moça para cá então. A transforme em uma moça da sociedade. Se precisar eu ajudo a torná-la gente. Aposto que deve andar de chinelos, cabelo bagunçado por causa da praia, deve cheirar a peixe. Eu odeio peixe, detesto praia.
- Mamãe, você sempre quis controlar a minha vida. Sempre fui o que a senhor quis que eu fosse. Fiz tudo, me formei, fiz especializações, viajei para o exterior, quase casei com Cinara. Só não casei porque descobri o que ela e teu querido sobrinho Alexandre me fizeram. E a senhora quer que continue infeliz?
- Maurício. Definitivamente. Se você quer fazer burrada na sua vida, que faça. Eu não vou te apoiar em nada. Não vou lá, não quero saber destas coisas. Você enlouqueceu. Tudo o que fiz, como mãe foi te ajudar, te encaminhar na vida, para que você fosse um grande homem. Agora, se você quer largar tudo para ir embora viver uma aventura, faça. Você é um homem. Sem juízo, mas tem 30 anos. Não vou ser eu que vou impedir de fazer burradas. Mas sabe, se ficar sem nada, não venha bater em minha porta para me pedir dinheiro. Acabei de separar de teu padrasto por conta disto. Fazer colocar a minha fortuna fora. Eu não vou dar dinheiro algum para esta tua loucura.
- Mamãe, muito obrigado pelo seu apoio. Fique com o Ricardo e com o dinheiro. Eu vou embora ser feliz.
- Vá, vá sim. Faça como o sonhador do teu pai. Bote as coisas fora. Vá viver de vento, comer areia de praia em Santa Catarina.

Maurício bate a porta e sai. Procura um amigo corretor e vão até o apartamento. Ambos acertam o negócio. Maurício também vai em uma loja de carros e deixa seu carro para vender. Em questão de uma semana, por milagre, consegue vender o apartamento e o carro. Assim que fecha o negócio, liga para Luiza, em Santa Catarina.

- Luiza!
- Amor, eu estava com saudade. Como estão as coisas aí em São Paulo? Tu voltas ou não voltas mais?
- Luiza, meu amor. Estou chegando aí na semana que vem. Consegui resolver a minha vida. Já comprei a passagem. Embarco para aí no domingo.
- Amor, amor. Vem mesmo. Vem, estou te esperando. Hoje é quinta-feira. No domingo vou te esperar em Florianópolis. Peço uma carona para o senhor Vicente, ele sempre leva a gente de carro quando se precisa de algo na capital.
- Luiza. Te amo.
- Eu também te amo, Maurício.

O domingo chega e Maurício vai para o aeroporto. Acompanhado de Ricardo, se despede do irmão:
- Meu irmão, obrigado por me trazer. Obrigado por tudo. Deixo esta vida para trás, começo uma nova vida em Santa Catarina. Lá está a mulher que amo. Lá está a minha vida. Vou morar em São Miguel. Assim que conseguir uma casa eu te mando o endereço.
- Mano, vai com Deus. Cara, seja feliz lá. Viva o teu sonho. Maurício, não fique com raiva da mamãe não. Ela é assim mesmo. Ela vai esfriar a cabeça e tenho certeza que ela vai te visitar também.
- Adeus, Ricardo. Te espero no Natal.
- Claro, mano. Eu vou lá passar o Natal contigo. Se a mamãe não quiser ir, problema é dela. Ela que vá passar as festas com aquela gente chata da família. Eu vou para Santa Catarina este ano.

Maurício embarca no voo. Pouco mais de uma hora o separam de seu destino final. Uma viagem tranquila e a chegada a Florianópolis para uma nova vida. Assim que desce, vê Luiza o aguardando. Chega e corre para os braços da amada. Um longo beijo marca aquele reencontro. Ambos saem, abraçados, em direção a um táxi. Vão para a rodoviária e tomam o primeiro ônibus para São Miguel. Viajam abraçados, como dois adolescentes. Trocam olhares e carícias. Olham para a janela do ônibus e vêem o sol forte e a estrada costeando o mar. São Miguel fica na ponta de uma bela península. Uma aldeia pequena, um vilarejo pequeno com menos de quatro mil moradores. Uma pequena cidade litorânea, o lugar escolhido para Maurício transformar a sua vida. Maurício que foi a São Paulo, pediu demissão e desfez a sociedade com seu primo, por meio de advogado, vendeu o apartamento o qual moraria com sua ex-noiva, Cinara, e vendera o seu automóvel importado. Aplicou o dinheiro em fundos de investimento e o restante em uma poupança, para comprar uma casa e um barco, assim recomeçar a vida em São Miguel, ao lado de sua amada Luíza.

A viagem termina e eles voltam para São Miguel. Maurício fica hospedado na pousada por uns dias. Assim que larga a mala vai para a casa de Luiza para almoçar com os Silva. Todos os esperavam, com uma peixada, com frutos do mar. Aquele dia seria de festa, de uma intensa festa. Seu Silva recebe o jovem:

- Eu disse que tu voltava, meu rapaz, que tu irias voltar para cá. Aqui era o teu lugar. Aqui tu vais ser feliz. Fazer tua família ao lado de minha filha.
- Seu Silva. Eu nunca poderia imaginar que iria mudar tanto a minha vida. Não podia imaginar que iria voltar para cá, ficar nesta cidade, comprar uma casa. Deixar tudo o que tinha em São Paulo e embarcar nesta história.
- Meu rapaz, é a história do amor. Do amor que apareceu pra ti, na tua vida. Aqui tu estás na tua casa. Saiba que gostamos de ti. Vimos que tu és um rapaz bom. Sei que tua família vai entender e em um futuro vai te apoiar também.
- O senhor é vidente?
- Não, meu filho. Eu sei o que é o amor. Eu também não era daqui. Eu venho de outra região do mar. Eu vim de Portugal. Da Ilha da Madeira. Aqui cheguei e conheci a Maria. A Maria é da terra. Fiquei apaixonado pela morena. Isto faz mais de 40 anos. Hoje estou aqui. Também deixei uma vida para trás e aqui fiquei, por causa de um grande amor. Hoje tu largas tudo na grande cidade e vem para cá, por causa de um amor. Tu vais ser feliz aqui, rapaz. Podes acreditar. É o amor que te trouxe.
- Incrível a sua história.
- Bem, vá para a pousada descansar um pouco. Vá pegar uma praia com Luiza. Vão namorar. Amanhã a gente sai cedo para ver uma casa para ti. Eu já falei com o senhor Braga. Ele vai ver uma casa boa para ti, aqui pertinho da nossa. A Maria e a Luiza te ajudam a mobiliar a casa. Depois a gente trata do casamento.

Tudo tão rápido, tão rápido mesmo. Maurício e seu Silva encontraram uma boa casa. Uma casa bem arejada, com dois quartos, sala, cozinha, banheiro, área de serviço, garagem e um espaço para a saida de um barco. Maurício foi até o banco, em Florianópolis, para sacar o dinheiro e comprou o imóvel. Rapidamente, Maria e Luiza começaram a mobiliar a casa e a preparar o enxoval para o casamento. Maurício comprou as alianças e os dois ficaram noivos. Mais um mês se passou e ambos casaram. Fizeram o casamento em uma igreja evangélica do vilarejo. Ricardo veio de São Paulo para acompanhar o casamento do irmão. A cerimônia, cercada de amor, marcou aquele momento sublime, um amor que nascia na beira do mar e que se fortalecia diante do altar, com as bênçãos de Deus. Também casaram no civil no mesmo dia e depois fizeram uma festa, regada a peixes, camarões e doces. As bordadeiras da vila presentearam a noiva com lençóis, colchas e cortinas, tudo feito com renda da terra.

Depois da festa, Maurício e Luiza foram para a casa. Já era noite, pois os noivos resolveram aproveitar a festa junto com amigos e com a família. Os corpos se entregaram a momentos de amor profundo. Intimidade e paixão, desejo, afeto, o que era de mais nobre e mais sublime marcou a primeira noite do casal. O dia amanhece e os noivos vão tomar um banho na praia. A praia estava deserta e ambos resolveram tomar banho nus no mar.

Brincaram, pularam e se entregaram a momentos de beijos e abraços. A casa branca, de janelas grandes e com um alpendre ficava na frente da praia, a poucos metros da casa dos Silva. Ali nascia uma nova família, os Silva Teixeira. Passam se as semanas e Luiza começa a ficar tonta, a sentir enjôos. Era o aviso que um fruto daquele amor divino estava chegando. Luiza estava grávida de Maurício. Uma gravidez comemorada pela família. Uma gravidez desejada, mesmo que ainda cedo, com pouco tempo de casamento. Nove meses passaram e nascia a pequena Mariana. Veio ao mundo uma linda menina. Forte, uma bela criança. Um lindo bebê para selar aquele momento de amor.

Maurício fez um curso de corretor de imóveis e se dedicou ao ramo imobiliário. Junto com Luiza abriram uma imobiliária e compraram dois barcos, os quais colocaram para passeios em alto mar. Maurício também aprendeu a pescar e saia com o sogro para o mar. Quando chegava o inverno, no tempo da tainha, voltavam do mar com a rede cheia do peixe. Faziam tainha assada, ova frita, arroz, pirão d´água, banana frita. E assim viviam, comendo e comendo. A criança fazia a festa dos Silva, enchia o coração dos pais de alegria. Maurício e Luiza tiveram mais um filho. Outra menina. Se chamou Rita. Os anos passaram e a vida continuou naquele vilarejo. Maurício era um homem feliz, realizado. Apaixonado por Luiza e por suas amadas filhas, por Mariana e Rita, mal sabia que a morena voltara a enjoar de novo. Mais uma menina veio ao mundo. E se chamou Cláudia.

Três meninas. três barcos, duas casas. Assim a vida daquele rapaz, que chegara a São Miguel para esquecer uma desilusão, uma amarga desilusão, se transformara para um sempre. Luiza, também apaixonada pelo marido, encontrou nele a realização de seus sonhos. Do sonho de trabalhar em algo próprio, de voltar a estudar e terminar o ensino médio, de ter filhos, de ser uma mulher realizada e uma mãe também feliz com suas filhas.

Nunca poderia imaginar que seu amor seria escrito à beira mar. Mas à beira mar, o vento, o sol e as ondas do mar selaram o que seria, para sempre, a felicidade.

OSCAR HENRIQUE MARQUES CARDOSO, outubro de 2011

NEGO

Nego
quero te convidar para uma kizomba
uma alaúza
uma bagunça
um fuzuê
sei lá o quê

Lá tem pacoça
lá na choça
onde todo mundo dança
se embalança

Nego
quero te chamar para comer canjica
pipoca
massaroca
sei lá

Cocada, amendoim
feijoada, pamonha
fubá
ah
e tomar guaraná

Nego
quero te convidar para dançar
pagodear
rebolar
brincar
te largar

Nego
quero o teu balanço
porque eu danço
a cantiga da ginga
da gíria
da cobiça
da brincadeira
da leseira
da besteira

Nego
eu quero ser feliz
porque nesta vida
eu sou um aprendiz

UMA FLOR

Digo que vi uma flor
em meu caminho
perto do ninho
que criei
que desenhei
que projetei

A flor era tu
Rosa
Margarida
Hortênsia
A flor era tu
ali
junto de mim

Eu plantei uma flor
no jardim do amor
onde não tem dor
lá não há rancor

Eu criei uma flor
não é imaginação
ali está
para sempre
junto do meu corção

COMO VIVERIA...

Como achei que viveria
em transe
em suspensão
em atração
em superação

Como achei que viveria
sem teu calor
sem teu amor
sem teu ardor

Como achei que viveria
sem luz
sem magia
sem alegria
a qual irradia
para todo o meu ser


Como achei que viveria
sem te encontrar
sem te perdoar
sem te idolatrar
sem te amar

Como achei que viveria
não poderia
não deveria
não saberia

Como achei que viveria
sem magia
sem ironia
sem poesia

sábado, 29 de outubro de 2011

MEU CORPO

Pensei em ver o meu corpo
por detrás daquela imagem

Tudo me embaralhava
Me enlouquecia
Me excitava

Uma loucura
Translúcida
Absurda
Aberrante
Excitante

Meu corpo
Minha carne
Minha alma
Me acalma

No silêncio de um olhar
Estou a mirar
Ao léu a vagar

Meu corpo
Meu tudo
Meu absurdo
Somente
meu corpo

SEM DESATINO

Sem desatino
Eu me pego

Eu me achego
Eu me renego
Eu me nego

O tempo todo
O todo o tempo

Pare tudo
Deixe o meu desatino
Levar o meu destino
A um lugar impoludo
A um externo absurdo

Me dê carinho
Me dê vazão
Eu quero perdão
Necessito de paixão
Ver pulsar o meu coração