segunda-feira, 31 de outubro de 2011

AMOR À VIDA

O silêncio toma conta dos Martins. Todos aguardam com apreensão um telefonema que pode vir do hospital. Ernesto, pai de Eduardo, sofreu um acidente vascular cerebral e está em coma na Unidade de Terapia Intensiva. Ele dá força para sua mãe. Ana Maria não tem forças para seguir a vida, para seguir o restaurante que tem com o marido. Eduardo é um jovem muito forte, muito decidido. Maduro para sua idade, teve que passar a desempenhar a administração do restaurante junto com seu irmão João Pedro e sua mãe. A família tinha que seguir a vida. Seu Ernesto lutava pela vida. Todos tinham fé que ele iria vencer este episódio doloroso.

O telefone toca. Eduardo corre para atender:

- Alô, boa noite, quem fala?
- Boa noite, aqui quem fala é a enfermeira Miriam. Falo do hospital de Caridade. Estou ligando para informar que o senhor Ernesto teve uma melhora. Ele saiu do coma, abriu os olhos e pediu para chamar a família aqui. Vocês podem vir aqui no hospital?
- Claro, com certeza. Já estamos indo para aí.

Eduardo corre ao quarto de sua mãe:

- Mãe, vamos já para o hospital!
- O que houve, meu filho? Seu pai, ah, ele piorou?
- Não, mamãe, ele acordou do coma. Ele acordou e quer nos ver.
- Meu filho! que notícia maravilhosa! Eu quero ver seu pai sim. Me dá uns minutos, vai tirando o carro da garagem. Vamos para o hospital, agora.
- Posso chamar o João?
- Pode sim. Vamos todos. Vá acordar o seu irmão. É madrugada, está frio.Mas não vamos deixar de ir ao hospital, de jeito nenhum.

Todos se vestem rapidamente. Eduardo tira o carro da garagem e todos vão para o hospital. A noite estava fria, mas o calor aquecia o coração de todos. Queriam realmente ver o seu pai. Ana Maria queria ver e ficar perto do companheiro por mais de 40 anos de casamento.

Doutor Peixoto os recebe no corredor:

- Que bom que vocês estão aqui. Estou muito feliz. Ernesto acordou. Está querendo falar com todos. Eu vou deixar entrar um por vez. Não é hora de visitas, mas a situação é especial. Eu estou aqui e já conversei com a madre superior sobre o caso.

Ana Maria entra primeiro. Vai até a beira do leito onde o marido está. Ainda tem aparelhos ligados a seu corpo. Os monitores acompanham o ritmo do coração, os batimentos, a pressão arterial. Uma bomba de infusão ministra o soro e também os demais medicamentos para evitar a coagulação do sangue. A máscara do oxigênio é afastada um pouco do rosto de Ernesto. Assim que ele vê a esposa, a companheira de uma vida, ele sorri. Milagrosamente, começa a falar:

- Meu amor, que saudade. Voltei, estou vivo. Eu vou me levantar desta cama em breve!
- Vai meu velho. Com certeza. Que susto tu nos deu. Nós pensávamos que tu irias não voltar mais. Como eu vou viver sem ti! Eu preciso tanto de ti, do teu amor. Preciso do teu calor, da tua companhia na hora do mate no fim da tarde, dos nossos passeios no parque, das nossas viagens para a praia no verão. E do teu abraço, do calor do teu beijo...
- Ana, eu te amo da mesma forma a qual te amei. Desde quando tu eras uma menininha. Fazia o Normal. Namoramos, noivamos, casamos. Temos nossos filhos. E meu amor não mudou. Tudo permanece igual. É por isto que sou feliz. Que me sinto feliz, me sinto pleno e próximo de ti.

- Eu te amo, minha velha. Te amo muito!
- Eu também, meu velho.

Ana Maria sai chorando da UTI. Se abraça ao seus filhos e diz:

- Graças a Deus, nosso Ernesto escapou. Ele está vivo. Ele vai viver, ele vai viver e é um milagre, é um milagre!

Ricardo e Eduardo também se abraçam e choram. Todos ficam felizes por ver a recuperação de Ernesto. Um pai amigo, um pai exemplar. Um homem batalhador, que deu sua vida para a família e para o restaurante. Bem frequentado e no centro de Santa Maria. Cidade a qual vivia, desde que veio da fronteira oeste com sua esposa e com os dois meninos, ainda pequenos.

Ernesto sobrevive, tem alta e, depois de quase um mês de internação, vai para casa. Em um momento, pede para que Eduardo o leve no restaurante. Queria realmente pisar no local onde tira o seu sustento e onde criou seus filhos, fez amigos, ajudou a construir o patrimônio gastronômico de Santa Maria. A noite estava caindo e o restaurante estava com as cadeiras levantadas, colocadas com o assento virado para as mesas. O ambiente estava limpo, mas faltava voltar a abrir. Todos aguardavam o retorno de Ernesto para retomar as atividades naquele espaço.

Ernesto entra sozinho no restaurante. Puxa a cadeira e se senta. Como em um momento, toma um grande susto. Vê uma luz branda, uma luz, um clarão baixo entrar pelo salão, adentrando aquele espaço. A imagem de uma moça, cândida, com um olhar terno, uma moça negra, envolta em um manto com as cores da bandeira do Brasil e com uma coroa brilhosa, feita com ouro, vem até o comerciante. Vem e fala:

- Foi o amor, o amor de todos que te trouxe de volta, querido Ernesto. És um pai exemplar, um marido amável e zeloso. Uma pessoa querida por todos nós. Ernesto, você merece mais uma chance. A chance de ver realizar um grande sonho seu. O sonho de ter um neto, de levá-lo ao futebol, levá-lo a pescar. Realizar também o desejo de Ana. Uma criança para brindar no seio da tua família.

- Virgem! Virgem Santa! Não acredito que tu estás aqui. Que tu se materializou em minha frente. Achava que tu jamais viria aqui. Nos momentos de minha dor, quando achei que não iria sobreviver e resistir ao derrame, eu achava que não ia voltar. Eu chamei por ti. Minha santinha!

- Eu vim, querido Ernesto. Eu vim para dizer que as tuas orações chegaram a mim. Eu te atendo e vim aqui para dizer que também estou feliz, como a tua família, com a tua volta. Você é importante para todos nós. Agora, com saúde, se recuperando, vai reabrir o restaurante. Obrigado por me chamar nos momentos mais difíceis da tua vida. Porque aqui eu estou. Eu vim para responder as tuas orações.

- Nossa Senhora Aparecida! Minha santinha! Minha santinha negra, santinha que vive no meu coração desde criança. Santinha dos brasileiros, minha santinha, obrigado por vir aqui. Obrigado por me acolher, obrigado por receber as minhas preces, o meu pedido pela vida. Eu tenho muito amor pela minha vida, pela minha casa, pelas minhas coisinhas. Eu aceitaria se fosse a vontade de Deus em partir. Mas ficaria com saudade de todos que aqui ficariam. Mas voltei, e vou continuar te tendo em meu coração. Tu vais continuar sempre no altar, ali no alto da portada que vai para a cozinha. Tu és a minha santinha, e tu existe..

- Bem, Ernesto. Está na hora de voltar. Voltar para casa, para junto de Deus. Mas saiba, Ernesto, sempre estarei contigo. Tua volta foi um milagre. Uma prova de amor à vida. Amor as coisas, amor a tudo o que te recebeste. Meu filho, fica com Deus, me dê a tua mão. Eu agora volto para o céu. Ernesto, meu filho, meu amado filho, fica em paz.

A santinha parte e Ernesto se põe de joelhos a chorar. Ele realmente viu e presenciou Nossa Senhora em sua frente. Viu e ela apareceu lhe trazendo a boa nova. Alguns meses se passaram e Eduardo veio comunicar a gravidez de sua namorada, Fabiana. Ela estava grávida de dois meses. A notícia foi de comemoração para a família. Eduardo casou com Fabiana e a fala de Nossa Senhora se cumpriu. Os meses se passaram e veio um lindo menino. Mateus nasce para a alegria e a felicidade de seus pais e de seus avós.

E os anos se foram e uma linda imagem foi registrada no livro da vida. Seu Ernesto foi até a barragem pescar. Quem lhe fez companhia? seu amado netinho, Mateus. Os dois sentaram na beira de um pontilhão e ali ficaram, avô e neto, esperando os peixinhos fisgarem a isca.

Amor à vida

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