domingo, 22 de novembro de 2009

ENTRE LOUVORES E AMORES, CAP.6

O show musical começa. A Igreja do Fogo Santo está lotada. As câmeras filmam tudo, uma boa central de TV foi montada no andar superior do templo. Ali, uma equipe de uma produtora contratada para dirigir o lançamento da Campanha do Tudo ou Nada corre de um lado para o outro. Patrick canta, as pétalas caem por cima dos fiéis. Alguns levantam um pôster com a imagem do cantor e também de uma tocha, o símbolo da igreja. Muitos choros, emoções, gritos de Aleluia e por aí vai o show. Rafael sai do palco e vai até o camarim, para ver se sua mãe está pronta para entrar, pois logo após a apresentação de Patrick e banda, ela será a próxima a trazer uma palavra ao público que ali lota o espaço, um grande e imenso galpão, comprado pela congregação.

- Mamãe, você está pronta. É a próxima estrela da noite a entrar.
- Não sou estrela, Rafael. Você sabe que não sou artista. Sou uma serva, uma mulher de Deus que vai, verdadeiramente, trazer uma palavra a este povo.
- Verdadeira? Então você está me chamando de mentiroso...
- Rafael. São sou eu que digo que você é mentiroso. É a sua consciência que grita para dentro de você que você está enganando a tudo e a todos. Rafael, meu filho, pare de brincar com coisas santas. Meu filho, você está levando a sua vida à ruína. Meu filho, você sabe... o salário do pecado é a morte.
- Cala a boca. Para de me dar chá de moral. Eu sou um empresário. Eu sou um vencedor. Não me importa o que você e uma meia dúzia de idiotas pensam. O que me importa, na verdade é o que eu penso. Este sucesso todo é feito todo do meu jeito. Eu sei o que estou fazendo. Você não sabe. Você é uma fanática. Uma sonhadora, uma mulher sem um pingo de senso de nada. Não é companheira do papai, não ajudou a construir isto aqui e fica só posando de santinha.
- Eu não construi isso aqui porque isso é uma mentira. É a mentira que seu pai quer empurrar para todos. Jesus não é mentira, mas esta estrutura é. E você sabe disso, Rafael.
- Chega, chega Rosana. Chega disto.
- Você me chama pelo meu nome para me machucar. Mas você não vai me machucar. Você não machuca ninguém mais. Só a você mesmo, meu filho.

Na casa dos Nogueira, Amanda conversa com Pachanca. Pachanca liga para saber se Sílvia já saiu para o compromisso que as duas haviam marcado:

- Pachanca, Sílvia saiu. Não me disse onde foi.
- É claro que ela não ia te dizer onde foi. Estou ligando para saber se faz muito ou pouco tempo que tua irmã saiu.
- Faz um tempo sim. Pachanca, posso te fazer uma pergunta?
- Pode.
- Onde você e Sílvia andam?
- Nós... bem, Sílvia vem até aqui para se encontrar com um cara que tá saindo.
- Quem é este cara, você pode me falar, Pachanca?
- Eu posso. Olha, ela está saindo com o Aurélio. O Aurélio é filho do dono de um conceituado cartório daqui de São Bernardo do Campo. Você conhece o Cartório da Matriz? Pois é. Ela tá saindo com o filho do senhor Policarpo, o dono do Cartório. Olha, o coroa é o maior gato. Tá enxuto a beça.
- Pachanca... é homem casado?
- Casado? Claro, é pai de filhos, já tem até netos. O velho pai dele já é bisavô.
- Pachanca... você não presta. Você apóia esta sujeira que a Sílvia está fazendo?
- Eu não presto mesmo. Aliás, a tua irmã só se envolve com homem casado. Tua irmã é sortuda, viu. Ela só consegue homens com dinheiro, homens com status. E ela é bonita, se veste bem, se arruma. Tem um papo e um bom gosto. Não sabia que a Sílvia era tão boa na arte da conquista. E olha que ela enrola todo mundo. Inclusive vocês aí da casa dela.
- Pachanca, só Jesus para perdoá-las. Só ele para perdoar a tua vida. Pachanca, o que vocês estão fazendo é algo imperdoável. É prostituição. Vocês andam com homens casados, gastam o dinheiro deles. Dinheiro que eles deveriam gastar com as suas famílias. Buscam o prazer de qualquer jeito. É uma tristeza para mim ser irmã da Sílvia. Não sei porquê Sílvia age assim. Sílvia é muito má mesmo. Mas eu creio que um dia ela vai ser liberta de tudo isto. De toda esta maldade.
- Ah,ah,ah. Como você é boba, Amanda. Bem que a tua irmã fala que aí na casa de vocês são todos uns babacas mesmo.
- Você respeite a minha famíia, Pachanca!
- Olha, Amanda. Nem sei porque eu fiquei conversando com você. Só liguei para saber se Sílvia saiu, ou não. Amanda, passe bem e tenha uma boa noite.

Pachanca desliga o telefone. Amanda volta a ver o filme. Maria vem até a irmã e pergunta:

- Mandinha, o que houve? Quem era?
- Era Pachanca, amiga da Sílvia.
- O que ela queria?
- Ela queria saber se a Sílvia já tinha saído.
- Mandinha, eu tenho medo da Sílvia. Ela é má comigo.
- Não precisa ter medo não. Ela está sim sofrendo. Mas Mariazinha, vamos nos unir e pedir a Jesus, vamos orar e pedir ao Senhor para que cure ela. Que abençõe o coração dela, que faça ela mudar e ser boazinha.
- Será que ela um dia vai mudar?
- Vai sim, Mariazinha. Ela vai mudar e eu creio nesta promessa. Mariazinha, não tá na hora de você dormir?
- A mamãe, o papai e a vovó.. eles vão demorar?
- Acho que não. Daqui há pouco eles estarão em casa.
- Tá bom, Mandinha, vou dormir, beijo e boa noite.
- Meu bem, vá com Jesus. Escove os dentes, faça a tua oração e vá dormir.
- Amém.

Maria sobre ao quarto. Coloca o pijama, vai ao banheiro, lava o rosto, os dentes, tira as presilhas do cabelo e vai para o quarto. Se prosta de joelhos no chão e conversa com Jesus:

- Papai do Céu. Sei que o Senhor me ouve. Sei que o Senhor é bonzinho. Senhor Jesus, cuida da minha mãe, do meu pai, da minha vovó Alba, da minha irmã Amanda e faz a Sílvia mudar o seu coração. Papai do Céu, ela é tão bonita. Mas é malvada com a gente. Papai do Céu. Abençõa a minha noite, cuida do meu soninho e da minha família. Amém.

Amanda termina de ver o filme e vai para o quarto também dormir. Antes de subir, seus pais, acompanhados de sua avó chegam em casa. Ela os cumprimenta. Vovó Alba fala com Amanda:

- Minha querida, você está até agora acordada?
- Sim vovó. Estava vendo um filme, lendo um pouco.
- Você não saiu hoje?
- Não. Amanhã eu vou almoçar com a Lúcia e com o Felipe. Mas hoje eu não sai não. Quis ficar em casa. Tomei um banho, coloquei uma roupa quente. Está um pouco frio lá fora.
- É verdade, minha amadinha. Está frio mesmo.
- Mamãe, tinha muita coisa boa no supermercado hoje?
- Tinha sim, minha filha. Ah, comprei aquelas nectarinas que você gosta. Comprei também uma colônia bem cheirosa para a Mariazinha e também aquele leite desnatado que a Sílvia gosta.. ah, ela saiu de novo, não foi minha filha?
- Ela sai todos os dias, mamãe. Aquela amiga dela, Pachanca, ligou. Elas iriam para São Bernardo do Campo.
- Meu Jesus. Mas a Sílvia não precisava sair tão longe. Aqui no Itaim Bibi tem restaurantes ótimos, bons bares. Até que ela fosse a Vila Madalena, tudo bem. Mas ela foi para São Bernardo.. é distante e fico com medo que ela beba, bata o carro.
- Mamãe, eu sei. Pachanca contou que ela está...
- O quê?
- Namorando um homem casado.
- Ah, isso não é novidade. Eu já sabia desta história. É com o filho do dono de um cartório.
- Mamãe, como você soube?
- Soube porque um dia destes ela esqueceu o celular aqui na sala. O celular tocou e eu atendi. Era o Aurélio, este homem que ela está saindo. Eu conversei um pouco com ele. E ele me disse que está saindo com a tua irmã e que está se separando da esposa.
- Mamãe, e você não falou nada a ela?
- Minha filha... e você acha que a Sílvia ouve alguém. Ela não ouve ninguém. É impulsiva, revoltada, agressiva. Não sei onde ela tira tanta raiva, tanta agressão. Ela é meu motivo constante de oração. Além de vocês, é claro.
- Mamãe, o que a gente pode fazer para tentar parar estas coisas que ela faz?
- Orar, minha filha, só orar.

Vovó Alba participa do assunto:

- Marília, o que faltou foram umas chineladas nesta menina. Ela sempre foi impulsiva, impertinente. Desde criança sempre foi uma menina difícil de se entender. Sempre foi revoltada, agressiva. Até que agora está um pouco menos desaforada. Mas você se lembra há uns dois anos atrás. Ela se botou para cima do pai dela.
- Vovó eu lembro sim. Roberto ficou até doente. Sílvia é a filha mais velha. Ele se esforçou tanto para prepará-la para a vida. E ela largou tudo, largou o emprego, só faz bicos e vive assim, correndo atrás de homens e mais homens. Eu sei que Jesus vai curá-la. Mas primeiro ela tem que quebrar a cara mesmo. Eu estou cansada de tanta briga. Roberto ainda briga e chama a atenção dela, mas eu estou cansada.

Roberto desce as escadas e ouve a conversa das mulheres:

- Marília, mamãe e Amanda. Eu não vou mais me desgastar em bater boca com a Sílvia. Realmente, pastor Cláudio me aconselhou a colocar em oração e pedir realmente a Deus para que proteja a minha filha. Para que a perdõe. Ela está louca mesmo, possuída, sei lá. Não sei como dizer o que acontece com ela. Mas creio que Deus fará o melhor. Só vou controlar para que ela não agrida e não ofenda ninguém aqui dentro de casa. É só isso. Boa noite. Vou dormir.

Todas se despedem de Roberto e, em seguida, sobem aos quartos para dormir.

Na Igreja do Fogo Santo, é hora de Rosana subir ao palco. Ela sobe ao palco e leva uma palavra de fé a todos os presentes. Fala sobre o livro e sobre a história de Rute. Uma mulher de fé a qual serviu e acreditou em Deus por toda a sua vida. Que deixou uma terra, deixou sua terra e foi para outra. Seu marido e seus filhos morreram em uma batalha e Rute foi fiel. Jamais se revoltou. Sua nora, Noemi, antes de casar com Moabe, a seguiu e as duas fizeram uma das profissões de fé mais verdadeiras e mais belas da história.

As palavras da pastora Rosana foram muito aplaudidas. E a oração dela abençôou a todos os presentes que estavam. A Igreja do Fogo Santo se emocionou com as palavras daquela mulher. Logo em seguida, foi a vez do pastor João subir e pregar a todos. O tema foi a Prosperidade. Em seguida, ele então conclamou:

- Irmãos, esta é a Campanha do Tudo ou Nada. Tudo é você depositar aqui a sua fé. O seu depósito, não importa a quantia que foi. Não interessa o valor a qual seja. Interessa é que neste pouco você vai colocar aqui a sua fé. Colocar o seu pedido. Você colocaa um dinheiro e recebe um girassol. Todos os dias, você vai sim olhar para este girassol, tirar as folhas do girassol. Cada folha que você tirar, vai ser sim um pouco da realização do seu desejo. Vai ser a sua vitória. É bênção, é Fogo Santoooo!!!!!

Os gritos e aplausos seguem. Obreiros correm para passar as bolsas com fundo para os fiéis colocarem dinheiro e pedidos. Nisto, Úrsula sai do meio do templo, conforme havia sido combinado no ensaio com Marcão e com o pastor João e vai para o púlpito. Pega o microfone das mãos do pastor João e começa a gritar:

- Eu estou curada. Eu estava com depressão, doente. Achava que iria morrer. Eu toquei no girassol e ali eu fui curada. Foi Deus quem me curou, meu Deus, meu Deus....

- E todos começam a aplaudir, a bater palmas. Uns choram e outros cantam louvores. Patrick e banda voltam ao palco e ali começam a cantar mais músicas e músicas. Assim, o culto, que durou mais de quatro horas, termina. O público começa a deixar o templo, começa a chover em São Paulo. Mesmo assim, as pessoas começam a sair. Alguns são entrevistados por uma equipe de televisão que estava lá para filmar tudo. Dona Juju vai direto ao repórter e começa a falar:

- Eu aqui encontrei a igreja certa. Aqui eu conheci o poder do Deus vivo na minha vida. Eu antes era de uma igreja aí, onde nada acontecia. Eu vim pra cá, estou fazendo a campanha e agora eu sei que vou realizar o desejo de comprar uma casa na praia. Em Mongaguá, do jeito que eu sonho, com três quartos, suíte, dois banheiros, garagem para três carros, copa, cozinha. Ah, eu estou levando este girassol e cada folha dele é uma peça da minha casa de praia.

Seu Pantaleão, obreiro antigo da Igreja do Fogo Santo, chora em frente às câmeras:

- Eu aqui eu fui acolhido.Aqui eu sou abençoado. A minha vida mudou e eu aqui aprendi a conhecer um Deus vivo. Eu amo esta igreja e o pastor João Souza é um homem abençoado.

As câmeras de TV filmam tudo e, de repente, o repórter se aproxima de uma moça, acompanhada por seu pai. Era Ivana e seu pai, Catarino:

- Estou aqui com meu pai. Eu confio nos milagres. Confio em Jesus. Confio na verdade que está na sua Palavra.

Seu Catarino também responde:

- Eu confio nos propósitos do mestre. Que cada um receba o que busca nesta campanha, mas mais do que isto, que encontre a fé em Deus.

Terminado o evento, todos são chamados para os fundos do palco. Ali o pastor João Souza manda todos contarem. O montante em dinheiro, naquela noite, foi de 800 mil reais. Só em uma noite. Para eles, foi uma boa quantia, mas não o sucesso que esperavam. João então comenta com Rafael sobre o evento:

- O que você achou, meu filho?
- Amanhã tem que dar mais gente aqui, papai.
- Mas, meu filho, a igreja estava lotada.
- Papai, você é um sem noção. Mas depois eu falo contigo em casa.

Percebendo o que acontecia, Rosana veio até os dois e disse:

- Parabéns a vocês, continuam a colher dinheiro, mas só dinheiro mesmo.

Rafael responde:

- E você não cala a boca. Mamãe, faça a tua parte. Aliás, até fez direitinho hoje. Até emocionou as pessoas. Mas rende pouco dinheiro. Dá pouco lucro. A senhora é da turma dos certinhos. A senhora rende pouco pra mim. Eu acho que vou lhe substituir daqui e promover a Ùrsula para começar a falar. Ela é melhor atriz do que a senhora.

Nisso, Rosana se irrita e dá uma bofetada em Rafael. Ele responde:

- Este tapa não vai ficar assim não, dona Rosana. Um dia eu acabo com você. Você vai ter o troco. Você vai ver o que eu vou fazer contigo. Isso se o papai não se envolver, é claro.

Pastor Souza vê a cena e repreende os dois:

- Vocês querem botar tudo a perder. Imagina se os obreiros vêem tudo isto. Que vergonha. Vai acabar com a minha carreira. Rosana, você não tinha o direito de bater na cara do Rafael. O que ele disse é verdade. Você é muito morna. Hoje não é um evento para ser morno. É para ser quente.
- Não admito que você, João, me compare com esta atriz, com esta tal de Úrsula, que com certeza vem daquele cabaré que você sustenta. Mais vergonha do que é este show que você fez e promoveu hoje. Olha, João, eu peço para que Deus realmente faça justiça a isto que vocês estão fazendo. Enganando milhares de pessoas. Não respeitando nada, absolutamente nada mesmo. João, eu estou cansada de tanta mentira. Quando é que você vai me dar a separação?
- Eu, te dar o dinheiro, dividir os bens, nunca. Não vou fazer isto de forma nenhuma. Problema é todo seu. Vá trabalhar, vá lavar chão. Volte para Minas Gerais, vá para onde quiser, mas vá com a roupa do corpo. Quem sabe você vai para a Argentina atrás do seu querido filhinho Alexandre.
- Acho que se eu fosse para a Argentina, com certeza, estaria mais feliz do que vivendo ao teu lado. Vivendo ao lado de um bandido, um criminoso. Estelionatário como você.

João parte para bater em Rosana. Nisso, Ùrsula se aproxima e o segura:

- João, calma. Não vá bater na sua mulher aqui na frente de todo mundo. Olha só, estão todos se arrumando para sair. Não quer dar uma chegada na boate. Hoje tem champagne de graça até as duas da madrugada.

- Ùrsula, saia daqui. Vá embora, este tipo de assunto não é para conversarmos aqui.
- Conversar escondido? Para quê, João! Todo mundo sabe que você tem um caso com a dona da boate, todo mundo sabe que esta menina dança lá. João, você acha que engana a quem? A mim, não.
- Cala a boca, Rosana. Cala a boca e vá embora você também.
- Eu vou sim, João. Vou com o Lucas. Ele está indo para o estacionamento. Adeus.

João Souza olha para o dinheiro, olha para os girassóis e dá risada. Dá altas gargalhadas. Rafael se aproxima, se deita no chão, sobre o dinheiro e ali rola em cima do dinheiro. Ri e brinca como se fosse uma criança.

E mais emoções prometem.
Entre louvores e amores.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

ENTRE LOUVORES E AMORES, CAP.5

V

João chega cedo a Igreja do Fogo Santo. Seria o primeiro dia da Batalha do Tudo ou Nada. Ou seja, quem fosse aquele dia ao culto ganharia um girassol e teria que todos os dias fazer os pedidos diante do girassol e arrancar uma folha por dia. Ao final, teria os pedidos atendidos. Assim que chega a igreja, pastor João chama Patrick e Patrícia para uma reunião. Era para passar as diretrizes do que deveria acontecer na igreja no primeiro dia de campanha. A primeira reunião era com os dois. Logo em seguida, João Souza chamou Ùrsula e Marcão para uma conversa. Nada poderia dar errado. Para comprovar que daria certo, Rafael havia armado uns detalhes para que o primeiro dia chamasse a atenção das centenas de pessoas que iriam assistir ao culto no Fogo Santo.

Pastor João dá a ordem a Patrick:

- Patrick, hoje será o seu grande dia. Você tem que cantar daquele jeitinho falso seu, ou seja, daquele jeitinho que faz o povo chorar, vibrar. Talento para isto, pelo menos, você tem. Para fazer as mulheres e as pessoas idosas chorarem. E quando eles choram, vão se emocionando, vão pegando os girassóis e também deixando a oferta nas sacolas que passam.
- Meu comandante. Você sabe que faço sempre melhor do que você pede. Aliás, não sei porquê até agora você não gravou o meu CD. Vai ser um CD espetacular. Vai vender muito e eu serei finalmente a estrela que desejo ser.
- Menos, Patrick. Você é medíocre, muito medíocre. Humildade zero, viu.
- E o senhor é um grande vigarista, mas tudo bem, problema é seu.
- Vigarista é você, rapaz. Veja como fala comigo. Cale a sua boca. Sou eu que sustento os teus luxos. A tua malandragem de só viver de música. Música a qual não canta nada, vamos ser sinceros.
- Amado pastorzinho de bananas, vamos parar de brigar porque a sua escrava Patrícia vem chegando...
- Pastor, posso entrar?
- Pode sim, Patrícia. Que bom que você chegou rápido, temos muito que conversar.
- Patrícia, você já falou com as senhoras para decorarem a igreja com os girassóis. São milhares de girassóis. E a campanha será uma verdadeira glória para nós.
- Aleluia, pastor. Vai sim. Meu coração está tão emocionado...
- O meu então, Patrícia, você nem imagina. E você, amado Patrick?
- Meu amado pastor João Souza, estou muito emocionado com a possibilidade de cantar, de apresentar o melhor de mim neste evento que vai marcar um novo momento na nossa Igreja do Fogo Santo. Meu coração arde por esta casa, meu coração arde por este momento.
- Menos, Patrick. Não exagere na dose.
- Claro, querido pastor, temos que ser contidos, não é mesmo?
- Você sabe que nós temos que ser moderados sempre, e ter fé, acima de tudo...
- Mentir também, né.. ops, perdão. Foi mal.
- O que você disse, Patrick.
- Nada, Patrícia. Não falei nada.
- É bom que você não fale nada. Você não pode dizer nada que ofenda, não pode falar palavras torpes, meu querido levita.
- Obrigado, meu líder. Meu amado, venerado líder.
- Pastor, com licença, vou até o salão da igreja ver como está a decoração final.
- Claro, abençoada serva, vá sim.
- Pastor João, definitivamente vou lhe dizer uma coisa.
- Diga, Patrick.
- Eu odeio você.
- Eu também odeio você, seu idiota. Mas vamos parar com isso senão vão descobrir e
nós então estaremos em maus lençóis. Você, desempregado e sem talento. E eu, com a imagem arranhada. Imagina.
- Imagem não. Você e o bandido do Rafael na cadeia. Vai ser a minha glória.
- Não sei onde estou com a cabeça que não lhe calo a boca agora.
- Vem calar, pastorzinho. Vem calar e eu saio daqui direto para os jornais.
- Você não tem coragem. Você é um desclassificado. Um cantorzinho de quinta classe, cantor de lugar lixo, você é um lixo, Patrick. Pago um bom salário e você vem me ameaçar. Faça e você vai ver o que eu e o Rafael faremos com você.
- Você não faz nada, João Souza. Você é dominado pelo teu filho, Rafael, que te domina. Você acha que eu não sei que você é apaixonado pelo seu filho. Você é louco, você é sórdido, Souza. Você tem pensamentos podres com seu filho.

Nisso, João Souza levanta e desfere uma bofetada na cara de Patrick. Patrick baixa a cabeça e sai da sala, prometendo se vingar dele. Nisso, ele sai e chegam Marcão e Ùrsula. Marcão chega perguntando ao líder:

- Bom, dia Souza. Tudo bem com você. Quero saber se hoje ganho o troco pro final de semana. Sabe como é, né. Tô na maior dureza.
- Cala a boca, Marcão. Senta aí.
- Que cara hein, o que houve?
- Briguei com o chantagista do Patrick.
- Você quer que eu quebre aquela cara dele, eu estou louco para pegá-lo de jeito.
- Não, Marcão. Deixa que com ele eu me entendo. A Úrsula, onde está.
- Tava lá em casa, foi uma noitada daquelas que você nem imagina. Perdeu. Por que não
passou lá em casa ontem à noite. Tinha um churrasco, cheio de mulheres. Do jeito que você gosta, velho.
- Não pude porque estava em uma reunião no partido político. Você sabe que vou me lançar vereador no ano que vem, não sabe, ou já esqueceu?
- E você pensa que vai ganhar...
- Eu vou ganhar sim. Eu tenho que ganhar. Eu nunca perdi nada. Não vai ser agora que vou perder.

Ùrsula chega na sala:

- Atrapalhei a conversa. Bom dia, rapazes.
- Bom dia, Ùrsula.
- Ô minha coisona, você trouxe o meu carro ou veio com o seu.
- Amorzinho eu vim com o teu carro sim, nós temos que terminar umas coisinhas lá na tua casa.
- Não me interessa o que vocês vão fazer. Quero saber se já ensaiaram tudo para a abertura da campanha de hoje à noite aqui. Estão com a cena afiada, ou não?
- Estou sim, patrão. Você sabe que sou uma atriz nacional com jeito, com feeling internacional.
- Ah, sim. Você é dançarina de boate. E só, nem fazer pole dance você consegue aprender. Nasceu com neurônios invertidos. Aprendeu a falar português com as cartilhas que te mandei.
- Ah, Souza. Não avacalha com a Úrsula não. Muito você se esbaldou neste corpinho.
- Não me esbaldo em mais nada. Vocês não são pessoas que me interessam.
- Ah, tá, velho idiota. Tá virando santo. Tá acreditando nesta mentira que criou.
- Cala a boca, Úrsula. Não quero saber da sua opinião. Só quero saber se você está repassando o texto, se ensaiou com o Marcão as cenas de hoje à noite. Não pode sair nada de errado. O cantorzinho do Patrick já preparou tudo. Todos tem que estar emotivos, emocionados. A Patrícia está lá com as senhoras arrumando o salão, decorando tudo e Rafael contratou uma produtora de vídeo para fazermos a gravação de hoje à noite para lançarmos em nosso programa de TV, que começa na semana que vem.
- Nossa, Souza, você está acreditando mesmo nesta história de pastor. Você vai ter programa de tevê é?
- Vou sim. Paguei o horário à vista na emissora. Paguei o valor à vista por seis meses.
- Quanto dinheiro você pega destes trouxas que vem aqui. Olha, uma hora a tua casa vai cair.
- E você vai presa, sua picareta. Dançarina perneta. Não sabe nem sambar...
- Não me esculacha, Souza. Souza, você está muito nervoso. Algum problema em sua casa?
- E te interessa a minha casa? Desde quando você é minha amiga? Não tenho amigas.
- Só te perguntei. Quer que eu dance para vocês? Quer, Marcão.
- Eu quero. Mas não sei se o velho aí quer música não.
- Ah, pare com isso. Você tem que se concentrar. Se eu quiser dança vou na boate e vejo. Vejo outras, a Katy Lúcia, a Furacão. Vou perder tempo contigo que não dança nada.
- Chega, velho Souza. Fui embora. Até à noite. Marcão, você vem também ou vai ficar aí conversando besteira com este neurótico e mal amado?
- Vou embora. Eu não vou ficar aqui ouvindo bobagens deste velho trambiqueiro. Aliás, meu cofrinho, meu banco, meu caixa eletrônico...
- Fora daqui. Fora. Não quero mais ver a cara de vocês. Só à noite, na hora da abertura da campanha.

Úrsula dá um selinho no pastor Souza e sai. Marcão olha com uma cara bem feia para Souza e também sai da sala. O telefone toca e o pastor atende:

- Alô, quem fala?
- Aqui é Rosana. Você vem para casa almoçar?
- Não sei, talvez não. Ah, quero te perguntar. Você vai chegar mais cedo hoje aqui. É o dia da Batalha do Tudo ou Nada e você tem que estar ao meu lado.
- Vou sim. Você sabe que vou.
- Que bom. Que bom que você tem juízo e sabe realmente qual a sua obrigação. Se não trabalhar, não ganha.
- Não é isso. Um dia eu me livro de você. Mas por enquanto não dá para me separar de você. Separar de fato porque já não vivo mais com você há muitos anos.
- Você não separa porque não quer perder o dinheiro e também que eu abra a boca e conte para o...
- Não continue, João Souza. Pare o assunto por aí. Se você vai começar a falar sobre mim, você sabe que eu vou para os jornais e conto que você também tem...
- Você não é louca de me chantagear, Rosana.
- Souza. Eu não quero perder tempo com você. Eu só perguntei se você vem almoçar em casa porque tenho que falar para a dona Cenira que ela não precisa fazer almoço hoje. Ninguém estará em casa na hora do almoço.
- Nem você, Rosana. Onde vai gastar o dinheiro hoje?
- Não vou dizer a você onde vou. O que tenho para te dizer é que todos estarão aí na hora da abertura da campanha.
- Ah, que bom que você é uma boa menina. Sabe organizar a família para a hora da fotografia.
- Tenho que garantir uma segurança financeira a nossos filhos.
- Nossos, é claro. Nossos.
- Qual foi o motivo da ironia?
- Não tem ironia. Não tem nada, Rosana. Ah, eu não tenho mais nada para conversar com você. Posso desligar o telefone?
- Pode sim, tenha um bom dia.

Em outro ponto de São Paulo, Roberto e pastor Cláudio tomam um café. O assunto é o mais diverso:

- Pastor Cláudio, então você vai viajar para Florianópolis na semana que vem?
- Vou sim, Roberto. Vou até lá para visitar um casal de amigos. Eles estão fazendo aniversário de casamento. Os conheço há mais de 20 anos, quando ainda a minha igreja era lá. Tenho certeza que a visita será muito boa. E a festa promete ser grande. Os filhos e netos do casal virão de vários lugares do Brasil.
- Que bom que o senhor vai. E então, quando vamos ao Rio de Janeiro?
- Creio que em janeiro a gente possa ir. Vamos sim passar uns três dias lá. Quero fazer contatos com alguns cantores e também com preletores para virem até a igreja e ministrar louvores, ministrar palavras.
- Pastor, não podemos esquecer esta semana de fazermos a reunião dos homens. Temos que programar o jantar do grupo dos homens. E o recurso será doado para a Casa Lar dos Pequenos Órfãos.
- É verdade, Roberto. Não podemos esquecer de realizar este jantar. Ficou marcado que seria no final do mês, foi isso que combinamos, sim.
- Foi sim. Combinamos que o jantar será no final do mês. Estou ansioso para ver a Mariazinha cantar no domingo no culto. Vai ser uma alegria a apresentação dela. Da minha pequenina, o meu bebezinho.
- Ah, mas você é muito mimoso para esta menina. Ela é uma graça de menina mesmo. É uma criança doce, meiga, alegre e canta de forma muito linda. Nós é que ficamos felizes com o grupo infantil. Os louvores dos pequeninos chegam até o céu.
- Pastor, a pastora Regina já conseguiu contabilizar os recursos do bazar?
- Sim. O bazar deu um montante significativo para pagarmos o aluguel do mês e também as despesas com internet e telefone. Graças a Deus, somos muito abençoados. Há momentos, meu amigo, que eu me preocupo com as finanças da igreja. Mas Deus realmente nos provêm, com recursos e com provisão.
- Claro, pastor. Deus está em nossa vida e também nos abençõa porque fazemos a nossa parte. Cuidamos com fé e com ardor das coisas de Deus e também cuidamos da nossa vida e apoiamos a quem precisa. Mas, pastor Cláudio, o senhor sabe que tenho uma dor tão grande em relação a Sílvia.
- Sei, foi aquele episódio dela com o Rodrigo. Olha, Rodrigo já pediu perdão a vocês, vocês o perdoaram e eu também perdoei a Sílvia. Nós não podemos ficar nos culpando de um erro que os dois cometeram. Pecaram contra a castidade. Mas tudo bem, eles se arrependeram e Deus os perdoou.
- Não sei, pastor. Não sei se Sílvia mudou. Eu sei que foi ela quem deu em cima de seu filho. Ela é mais velha, mais esperta. Rodrigo é um rapaz calmo, equilibrado. Foi ela quem o levou àquela festa, o deu bebida alcoólica e depois partiu para seduzi-lo. Eu sei que Silvia é muito impulsiva, ela faz o que quer. E isso me envergonha.
- Roberto, você tem que orar muito por sua filha. Pedir muito a Jesus para que a cure, para que a cure de suas feridas, que ela possa ser temente a Deus e que possa se arrepender de seus pecados. Nós, como pais, temos que orar muito por nossos filhos. Tua filha irá se arrepender, ela vai se concertar. Eu acredito que ela vai mudar.
- Eu também acredito. E vamos tomar o nosso café, senão ele vai ficar gelado.

Na casa dos Nogueira, Mariazinha entra no quarto de Amanda para pegar um livro que a irmã pediu. Amanda está na parte inferior da casa, vendo um DVD. Maria estava seu lado, comendo pipoca. As duas não sabiam que Sílvia estava em casa. Vovó Alba tinha ido ao mercado com Marília. Quando menos imaginava, Maria é surpreendida por Sílvia:

- Menina metida, você né. Quem te mandou entrar aí no quarto da Amanda?
- Foi ela quem pediu, Sílvia.
- Sua chata, insuportável criança. Você sempre com a resposta na ponta da língua. Sempre rápida, inteligente....
- Mana, não faça assim comigo não. Sílvia, por que você não gosta de mim?
- Não me chame de mana. Nem me chame de nada, garota. Eu estou pouco ligando para você. Você é uma chata, e tem muita gente para se ligar em você. Só perguntei se você foi autorizada a entrar aí no quarto, foi isso. E não precisa esticar assunto comigo não, senão eu pego a sandália e parto para cima de você.
- Pára Sílvia. Eu vou chamar a Amanda.
- Chama, sua peste, chama...

Mariazinha entra no quarto, pega o livro e desce as escadas correndo. Assim que Amanda vê, pergunta:

- Mariazinha, por que você está nervosa. Preocupada com alguma coisa?
- Amanda, a Sílvia tá lá em cima.
- Ela te assustou, te disse alguma coisa?
- Ah, ela sempre me assusta.
- Eu vou lá falar com ela, agora.
- Não vá, maninha, não vá. Ela vai bater em você.
- Não vai não.

Nisso, Sílvia desce as escadas. E diz:

- Não precisa subir não, boa mocinha. Eu desci para te dizer que a insuportável da criança aí estava entrando no teu quarto. Perguntei, educadamente, se ela podia entrar. E ela só pra variar fez cena de coitada, como sempre.
- Sílvia, a Mariazinha foi até o quarto pegar um livro que pedi. Bem, estava vendo um DVD e pedi um livro porque vou ler em seguida.
- Nossa, como você é culta. É instruída. Posa de bacana. Depois que entrou para a faculdade, virou a tal.
- Sou mais equilibrada e menos invejosa que você, Sílvia, querida irmã.
- Ah, menos. Tudo você é menos. É menos louca, é menos raivosa, é a santinha, virgenzinha da casa. E tem o apoio de todos, até da chatinha da criança aí. Eu é que sou a louca, sou a má da família. Sou a devassa, sou a mulher fatal. A negra fatal. Ah, sou mesmo, sou viva, ao contrário de todos vocês, que são uns sonsos.
- Sílvia, chega de tanto ódio neste teu coração, minha irmã. Pare e peça a Jesus para mudar a tua vida, a tua história. Quanta maldade, quanta coisa ruim você está colocando para dentro de sua vida.
- Não vem dar uma de pastora não. Aliás, não venha me falar nada. Vou sair. Vou sair com a Pachanca. Não sei que horas volto.
- Você nunca sabe a que horas volta quando vai sair com a Pachanca.
- E você, saiu com a encalhada ridícula da Lúcia Helena? Mulherzinha feia aquela, feia, magra.. é bem o estilo de tuas amiguinhas mesmo. Tudo sem sal, que nem você.
- Chega, Sílvia. Tenha uma boa noite. Eu aviso ao papai, a mamãe e a vovó que você saiu com a Pachanca.
- Não precisa avisar. Não quero que eles saibam da minha vida. Adeus, suas insuportáveis.

Na Igreja do Fogo Santo, os fiéis começam a chegar. O estacionamento lota rapidamente. Os lugares da frente da igreja já estão ocupados e a portaria continua lotada. A noite promete. E na sala atrás do palco, pastor João Souza se maquia, se prepara, coloca um terno de linho cru marrom e se prepara para abrir a noite. Rafael, já classicamente vestido vai para o púlpito, o palco, decorado com flores, girassóis espalhados pela igreja, distribuidos nas fileiras do gigantesco salão. Câmeras posicionadas, tudo pronto para o show, para o lançamento da Batalha do Tudo ou Nada.
Rafael vai ao palco e anuncia o início do evento:

- Boa Noite e a Paz para todos vocês. Começa agora, oficialmente, na Igreja do Fogo Santo, de São Paulo para todo o Brasil, a Batalha do Tudo ou Nada. Com vocês, para abrir a noite de glória, Patrick e banda!

Patrick entra cantando, pétalas de rosas começam a cair do teto da igreja e o gelo seco começa também a se espalhar pelo palco. As meninas do grupo infantil entram dançando um balé, dança profética, perfeitamente ensaiadas. Nos telões espalhados, estrofes da canção que Patrick toca ficam legíveis e um gigante coro começa a ecoar pelo interior do templo.

O show começa, a campanha a todo o vapor.
Entre louvores e amores.

sábado, 14 de novembro de 2009

ENTRE LOUVORES E AMORES, CAP.4

Roberto, Marília, Vovó Alba e Maria chegam em casa. Observam a sala e vem as janelas encostadas. Um vento faz balançar as cortinas, mas nada que tire a tranquilidade da família. Ao observar o barulho, Amanda, que já estava dormindo, vai de encontro a família, quando assim pergunta a seu pai:

- Pai, onde vocês estavam?

- Minha filha, nós fomos na casa da Maria de Lourdes e do Walmor, lá em Santana. Nos chamaram para uma reuniãozinha de amigos. Estava o Olavo, a Patrícia, a Sabrina...

- Papai, você podia ter me avisado, fiquei preocupada.

- Calma filha, liguei para você no celular e você não atendeu.

- Estava no metrô, acho que o barulho estava forte na estação e não ouvi. Tudo bem. Vovô, que prato é este, cheio de salgadinhos?

- Ah, minha amadinha, a Lourdes mandou pra você e pra Sílvia. Olha, uma delícia, então as empadinhas de camarão feitas de massa podre, tá uma misericórdia de bão, ahahahaha. Mas, onde está a Silvinha?

- Saiu, só pra variar, vovó. Não disse onde ia e saiu daquele jeito que a senhora já conhece.

- Ah, sei, soltando fogo pelas ventas. Que menina geniosa, não sei a quem puxou.

- Mamãe, tava boa a festa?

- Òtima, minha filha. Todos mandaram abraços e beijos a você, estava muito animado, todos riam, conversavam, cantavam. A reunião estava maravilhosa, só faltou você e o pastor Cláudio e a família.

- Mamãe, pensei em ligar para ele. Era para saber se vocês não estavam lá na casa dele, ou então se não tinham ido para alguma reunião na igreja. Mariazinha, você tá bem, minha maninha?

- Estou sim, Amandinha. Eu conversei bastante com o Léo, com as meninas que estavam na festinha. Falamos sobre roupas de bonecas, livros, músicas. Maninha, você sabe que nós vamos cantar domingo na igreja?

- Sei sim, olha, vou fotografar e filmar tudo. O vídeo vou colocar no Youtube e as fotos, no meu Orkut, claro. Imagina se vou perder de ver uma artista gospel cantando como você. Uma estrelinha de Jesus.

Marília chamam todos a cozinha. Preparou um chá de camomila e um leite quentinho para Maria tomar. Amanhã seria sábado, e sábado é dia de compras e também de organizar a casa. Botar em dia a bagunça da semana. Era dia de Roberto também levar o carro para lavar, se encontrar com amigos para conversar um pouco. Não era no boteco do bairro não, era em um café nas redondezas. E é claro, depois passar na casa do pastor Cláudio para tomar um outro café e conversarem. Assim era o sábado dos Nogueira.
Amanda iria aproveitar o dia para se encontrar com Lúcia Helena e ir ao cabelereiro. No dia do salão era de arrumar cabelo, fazer as unhas, massagem, tudo o que podia e com bom gosto. O destino era um novo cabelereiro, próximo da Alameda Santos. Ali elas foram. Depois de lá, foram até a loja de Úrsula, uma amiga de Lúcia que vendia roupas com bom gosto e estilo, na Vila Mariana.

Lucas tirou a manhã para ler. Depois da leitura, foi a casa de Maurício, seu amigo e também vizinho para convidá-lo a chamar a turma para o futebolzinho do sábado. É claro, futebolzinho depois das três da tarde, na quadra de soccer do bairro. Depois do futebol, a reunião seria na lanchonete do Patrício, um italiano muito animado que recebia Lucas e seus amigos com sanduíches de pernil de porco e muito refrigerante gelado.

São Paulo é uma megalópole, terceira maior cidade do planeta, carros e milhares de pessoas circulam de um lado para o outro. Tem diversão e grupos para todo mundo. Só fica em casa realmente quem assim deseja. O que poderia ser impossível acabou acontecendo. Depois de sair da loja, na Vila Mariana, Lúcia Helena e Amanda resolvem tomar um lanche em uma lanchonete. Se é casualidade ou não, acabaram parando na Moóca, pois estavam perdidas. O destino seria o Itaim Bibi e elas saíram da Vila Mariana e, conversando e rindo, acabaram chegando na Moóca. Lúcia Helena adorava pegar o carro e sair por aí, conversando e rindo muito. Ficaram com sede e fome e resolveram então entrar naquela lanchonete. Qual foi a surpresa. Acho que já dá para imaginar.

Lucas estava em uma mesa com Maurício e Cassiano. Assim que entrou na lanchonete, Amanda bateu o olho em Lucas. E Lucas, que conversava com os amigos, parou de falar e também ficou olhando para ela. Uma conversa começou ali mesmo. Lucas se levanta e vai em direção a Amanda:

- Amanda, perdida na Móoca. O que devemos a honra da visita?

- Lucas, de fato, você tem razão. Eu e minha amiga, a Lúcia Helena, estamos perdidas mesmo. Estavamos na Vila Mariana, nos perdemos e viemos nos achar aqui na Moóca. Estamos com fome. Aqui o lanche é bom?

- É sim. Vocês não querem sentar conosco à mesa?

- Lúcia, você aceita sentar com os rapazes?

- Claro, Amanda, rapazes, imagina... bem, fica quieta Lúcia Helena...

- Cassiano e Maurício, quero apresentar duas amigas, Amanda e Lúcia Helena.

- Amanda, me chamo Maurício. É um prazer conhecer vocês.

- Me chamo Cassiano, também é um prazer conhecê-las.

- Obrigado rapazes. Em meu nome e em nome da Lúcia, agradecemos.

- Amanda, não faça cerimônia amiga, deixa eu perguntar: Qual é o menu da casa, qual é o melhor sanduíche?

- Lúcia, pra você, sugiro o sanduíche de pernil, com uu refrigerante no capricho, o que acha?

- Cassiano, hummmm. Se é a sua sugestão, se é tão boa quanto você é.. bom, vou aceitar.

- Você é animada, Lúcia Helena.

- Sou mais do que você imagina, Cassiano.

- Lúcia, controle-se, amiga. O que os rapazes vão pensar de você.

- Nada, Amanda. Sou direta no ponto. Não é sempre que se encontra um gato assim, você não acha?

- Lúcia Helena, estou ficando com vergonha.

- Calma meninas. Não precisa ficar com vergonha não. A gente entende.

- Obrigado, Maurício. Você é muito gentil.

- Vocês vão a alguma balada. Estão super bem arrumadas?

- Não, Lucas. Nós fomos tirar o sábado para nos arrumar. Sábado é dia de salão de beleza, de roupas, de cochichos e papos entre meninas. Você entendeu...

- Claro, Amanda. Nós fomos jogar bola com a turma. Acabou o jogo, tomamos um banho, nos trocamos e viemos para cá. Estamos sempre aqui, nos sábados, por este horário. Quando quiserem vir de novo aqui na Moóca, é só nos telefonar.

- Humm, é claro que eu quero vir. E você, Maurício, foi jogar bola também?

- Fui sim, Lúcia. Hoje marquei cinco gols, estava inspirado.

- Imagino, aliás, inspiração para você não deve faltar. Não te deve faltar nada.

- Lúcia Helena!

- Ai, Amanda, deixa eu falar, amiga.

- Calma, Amanda, deixa ela falar. Olha, Lúcia, me falta sim é alguém para dar uma volta, pegar um cinema, conversar, sair para jantar.

- Eu adoro ir ao cinema, jantar então é comigo mesmo. E olha que em São Paulo não faltam restaurantes bons.

- Você é gaúcha, Lúcia Helena?

- Sou, sou do interior do Rio Grande do Sul. Já ouviu falar em São Borja. Terra do ex-presidente Getúlio Vargas, terra de Leonel Brizola, fica quase na fronteira com a Argentina.

- Já ouvi falar sim. Eu nasci em São Gabriel, também no Rio Grande do Sul.Conhece?

- Não acredito! Morei em São Gabriel, meu pai é de São Gabriel. Minha mãe é de São Borja. Eu vim para Porto Alegre para estudar. Fiz faculdade e depois me mudei para São Paulo. E tu, Maurício. Mora aqui em São Paulo há muito tempo?

- Sim, moro aqui há 12 anos. Vim para São Paulo com 12 anos. Meu pai era militar. Nasci em São Gabriel, fiquei lá até os cinco anos, depois meu pai foi para Curitiba, ficou lá por sete anos. Depois veio para São Paulo, cheguei aqui com 12 anos de idade. Dois anos depois, quando fiz 14, meu pai faleceu. Minha mãe e meu irmão, Tiago, quiseram ficar aqui em São Paulo. A gente mora também aqui na Moóca e não saiu mais daqui. Eu sou paulistano de coração. Gosto muito de São Paulo.

- Eu estou aqui em São Paulo há cinco anos. Adoro São Paulo. É a minha cara. Tem tudo. Hoje meus pais moram em Porto Alegre. Mas eu gosto muito daqui. E você, Cassiano, é daqui também ou veio de fora?

- Eu nasci no Piauí. Não sei o nome da cidade, mas vim bebê para São Paulo. Primeiro veio o meu pai, depois minha mãe com os outros sete filhos. Aqui estou. Não sei nem a cidade onde nasci. Nós somos oito filhos. Meu pai se separou da minha mãe logo que ela chegou aqui em São Paulo. Eu não o vi, nunca mais. Não me lembro da imagem dele. Minha mãe foi pai e mãe. Nos criou. Depois casou de novo, com o Raimundo, que veio da Bahia para trabalhar aqui em São Paulo. E esta é a minha vida.

- Bem, só pra participar da conversa, me chamo Lucas Souza. Nasci em Florianópolis e vim adolescente para São Paulo. Também gosto muito desta cidade. É uma metrópole que junta pessoas de várias partes do mundo. Eu fui a Florianópolis no ano passado, visitar amigos. Eu gosto de ir lá no verão, aproveitar as praias. E você, Amanda, você nasceu onde?

- Eu sou carioca. Nasci no Rio de Janeiro. Mas cresci aqui no Itaim Bibi. Meus pais eram servidores públicos e vieram transferidos para São Paulo. Aqui cresci. Tenho duas irmãs, a Sílvia e a Maria. A Sílvia também nasceu no Rio de Janeiro, já a Maria nasceu aqui em São Paulo, é paulistana da gema. Minha avó, a vó Alba, é mineira, mas também morava no Rio de Janeiro. O meu avô, Horácio, era português. Ela é mãe de meu pai. Não conheço os pais de minha mãe. Minha mãe foi criada por uma tia, chamada Elisa. Esta tia morreu logo que meus pais se casaram. Mamãe me conta que seus pais morreram e ela ficou órfã. Por isso foi criada por esta tia, que era solteira e não tinha filhos. Era a irmã mais velha de minha mãe, que também morava no Rio de Janeiro.

- O papo tá bom, né amiga Amanda, mas vamos continuar com a paquera. Maurício, você tá solteiro então, e aí, me dá o teu celular...

- Nossa, você é engraçada, Lúcia. Gosto de mulheres engraçadas. Claro que te dou o meu celular sim. Você me dá o seu?

- Ora, é evidente. Mas pra começar o celular, viu, ah, ah, ah, ah...

- Lúcia, que fiasco, amiga!

- Fiasco nada. Não tem fiasco aqui não. Estou sendo moderna, clean, entende? Eu gostei do papo do Maurício. Sem contar que ele é um gato.

- Mas você diz isso na frente do rapaz. Que vergonha, amiga.

- Amanda, ela é animada, não repare. É divertido. É bom para animar a nossa noite. Nã que a noite não esteja boa. Está ótima, mas precisamos rir um pouco. Você não acha?

- Ah, Lucas. Minha amiga é muito direta, eu não sou.

- Também não sou, Amanda.

- Lucas, eu gosto de conversar, mas sou do silêncio.

- Eu também, Amanda. Eu amo primeiro no olhar, depois eu amo nas palavras.

Um silêncio fica naquela mesa. Todos ficam se olhando, sem entender nada. Lucas olha para Amanda. Amanda olha para ele, dá um sorriso discreto e baixa a cabeça. Lucas permanece olhando para o rosto negro e belo de Amanda. Os sanduíches chegam, Patrício caprichou naquela noite. Todos comeram, riram, se divertiram muito, até a hora da lanchonete fechar, e já era quase meia noite. Todos ali se despedem. Lucas se despede com um beijo, um beijo no rosto de Amanda. Lúcia Helena também se despede com um beijo no rosto de Cassiano e de Maurício. Claro, ela troca o telefone com o rapaz, prometendo o telefonar durante a semana. Assim que entram no carro de Lúcia, para tentar voltar ao Itaim Bibi, onde deixaria Amanda em casa, Lúcia começa o falatório:

- Ah, que sanduíche de pernil maravilhoso, não é Amanda?

- Lúcia Helena! Você acha que me engana. O que você menos ligou foi para o sanduíche.

- Liguei sim. O melhor do sanduíche era os olhos verdes do Maurício. Que cara lindo, meu Deus do céu. Olha, se não fosse uma moça séria, eu ia avançar em cima dele. É amigo do Lucas não é? E olha, o Lucas também é um lindinho não é?

- Você acha, Lúcia?

- Se eu acho. Não só eu acho. Você também acha.. bendita a hora em que a gente se perdeu e foi parar na Moóca. Olha, acho que vou mais seguidamente à Moóca. A Moóca é um paraíso dentro de São Paulo.

- Lúcia Helena, quanto tempo vai durar este rolo com o Maurício?

- Sei lá. Enquanto ele me der corda, eu vou que nem bonequinho, vou andando na estradinha dele, ah, ah, ah.

- Ai, amiga. Não vai bagunçar com o cara. Você viu que ele é amigo do Lucas, meu colega de faculdade. Que vergonha. O Cassiano também é um rapaz bacana, você não achou?

- Ah sim, vou apresentá-lo a Simone. A Si tá louca pra arrumar um namorado. Será que vale fazer uma ponte deles?

- Não sei, amiga. Eu não me meto em confusão. A Simone também é meio maluca, meio irritada. Vá que ela não goste do cara e dê um bolo nele. O ofenda. Sei lá, o que sai da cabeça da Simone é uma grande pergunta.

- Lúcia. O que você achou mesmo do Lucas? Você achou ele um rapaz legal?

- Achei. Acho que ele é o teu número, amiga. Vai em cima mesmo.

- Lúcia, você sabe que não sou assim. Sou de consultar, orar a Jesus.

- Então ore, amiga. Ore e peça para Jesus te mostrar que ele poderá ser o teu namorado. Quem sabe ele não é o teu namorado?

- Eu acho que sim, acho que não. Fico com medo de fazer isso. Sei lá, o fim com o Valter foi tão doído. Valter me fez sofrer um pouco. Eu já o esqueci. O perdoei na verdade, mas tudo bem. Estou me sentindo assim, sozinha. Não sou uma moça assim, de ficar cada dia com um rapaz. Só namorei uma vez, e foi com o Valter. Foram quase dois anos de namoro. Foi bom. Valter quis me tirar a virgindade. Mas eu não aceitei, não deixei que ele me levasse para a cama. Não aceito isto não. Só quando casar.

- Entendo, Amanda. Você está certa. Nós temos que nos valorizar. Claro que eu fiquei muito a fim do Maurício. Mas também não vou levá-lo pra cama assim não. Eu quero também namorar. Estou cansada de ficar com um aqui, outro ali. Já cansei de rolar na mão dos homens. Tudo bem, fui eu que dei espaço, que dei abertura. Mas agora, quero ser levada à sério, sabe?

- Mas você assusta os homens, você fala as coisas na cara deles e isso os assusta.

- Será?

- Tenho certeza, Lúcia. Mas se este é o teu jeito, tudo bem, a gente tem que se aceitar.

- Ah, Amanda, é das quietinhas que eles gostam mais.

- Pode ser, como pode não ser também. Aliás, entender cabeça de homem é complicado não é, amiga?

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

ENTRE LOUVORES E AMORES, CAP.3

III
Rafael passa em um bar, perto de casa, toma uma cerveja e começa a pensar no encontro que terá. Seu destino, para aquela noite meio nublada e um pouco fria era bem quente. Para quem pensou que ele iria à igreja para assistir mais um culto de seu pai, se enganou. Aquela noite seria a "Noite do Visual" e Katy Lúcia faria um show de pole dance. Katy era apaixonada por Rafael e ele não se entregava aos encantos morenos daquela prostituta. Aliás, curtia como todos os homens, sempre prometia, na cama, que iria tirá-la daquela vida. Mas cumprir é que seria impossível.

Rafael chega à boate. É recebido com um selinho por Madame Perla, a dona do estabelecimento. Madame Perla também desafogava as mágoas com ele e, às vezes, com seu pai, o pastor João. Ah, pensou que o pastor só ficava na igreja o tempo todo. Misteriosamente, sem ninguém entender o que acontecia, pastor João era totalmente dominado por seu filho Rafael. As más línguas diziam que ele tinha uma paixão recolhida por seu filho. Outros diziam que ele tinha uma idolatria. Enfim, era uma relação de total domínio e passividade.

Madame Perla oferece um drink para Rafael. Os dois vão até o escritório da boate e Perla então começa a cobrar o rapaz:

- Rafael, quando é que você vai levar a minha pombinha? Katy não aguenta mais esta vida e tá apaixonada por ti.

- Eu não nasci para casar Madame. Eu não sou homem de ninguém. Para mim, tudo tá bom, tudo tá na boa, sem se estressar. Por que casaria com a Katy Lúcia? Só porque a gente transa. Aliás, eu pago a transa e deu.

- Paga nada. Tu não paga, assim como o teu pai também não paga nada quando vem aqui.

- Claro que a gente paga Madame... Quem paga o ponto aqui, quem paga a luz, a comida e a cerveja que vocês vendem? É dinheirinho limpinho, bonitinho, cheirosinho que entra aqui, ah, ah, ah, ah...

- Tu não presta mesmo. É que nem o safado do teu pai. Teu pai, pastor. Pastor só se for no raio da terra. Teu pai é um vagabundo velho. Eu conheço aquele safado desde a Bahia. Tu sabes que ele era picareta desde novinho. Dava golpe da bolinha nas pessoas, inventava show de mágicas. Teu pai então conheceu um velho, outro velho safado, o tal de seu Miguel. Seu Miguel armou um monte de golpes e depois disse que virou crente. Teu pai, depois de muito tempo me contou que leu a história do velho em um jornal e que havia pensado em seguir o mesmo caminho para se limpar. É inteligente o velho teu pai.

- Inteligente sim. Eu também sou. Sou mais inteligente que ele, que meus irmãos. Meus irmãos são uns babacas. O Alexandre foi embora pra Argentina. O Pedro é fora do ar e o Lucas é o anjinho da casa. Aquela mulher, a tal de minha mãe então, é uma insuportável. Não aguento ver aquela cara imunda dela. E passa imagem de boa mulher, mas é uma prostituta também. Meu pai tirou ela da casa da Dona Rosinha, lá em Minas, você sabe disso né Perla?

- É, meu lindo. Eu sei sim. A tua mãe é uma coitada. Tua mãe é uma mulher fraca, sem um pingo de maldade. Caiu na mão do golpista do teu pai, que aliás te fez muito bem feito. Eu não sei quem é melhor na cama, se tu ou o velho malandro. O velho tá cada vez melhor, é que nem vinho...

- Madame, eu não aceito perder pra ele não. Eu não aceito ser menos que ele. Se você ficar dizendo na minha frente, não te trato mais, velha suja.

- Calma, meu galinho de briga! É que tu sabes que eu sou louca pelo velho né. Ele casou com aquela sonsa da Rosana, mas não adianta, ele é meu. É marido dela, mas é meu homem na cama. Por falar em velho, ele não vem aqui hoje.

- Hoje não. Ele tem um evento lá na igreja. Ele e as suas bobagens. Queria que eu fosse para lá hoje para divulgar o balanço do semestre para os babacas dos funcionários. Eu ainda não terminei de falsificar o balancete. Falta pouco. Ah, o velha, aquele presentinho de R$ 5 mil tá na tua conta tá. Vou dar mais uns R$ 3 mil para a Katy Lúcia. Assim acalma e ela para de encher o meu saco com papo de casamento.

- Obrigado, meu lindão. Sei que tu não iria me deixar mal. Tô precisando mandar fazer uns vestidos novos pra mim. A Katy Lúcia vai é torrar tudo com perfume e com sapatos, só pra variar um pouco. Você não vai lá pra dentro da casa, vai ficar aqui tomando meu uísque. Se não vais lá pro salão, vamos pro quarto aqui do lado então.

- Velha, hoje eu não estou a fim de você não. Eu quero é duplo. Quero a Katy e a Furacão. Se o pai não passar aqui, eu falo contigo depois, tá bom, velhinha.

Rafael vai pra pista de dança. Vê o show de pole dance da Katy Lúcia e encontra com a Lúcia Furacão. Dá um beijo nela e pega uma taça de champagne. Toma junto com Lúcia, abraçado nela. Dança abraçadinho com Lúcia Furacão quando, do palco, Katy Lúcia desce e se junta ao casal. Os três dançam juntos uma música bem quente. E ali ficam, por um bom tempo. Ora Katy beija Rafael, ora ele beija Lúcia Furacão. Aquele rolo vai a noite toda. Os três não foram para o quarto. Lúcia largou os dois e foi dançar com outro cliente que estava na boate. Katy e Rafael vão para o quarto, transam e, depois Katy passa a falar com ele:

- Amorzão, eu quero dizer pra você que vou comprar aquele tecido para fazer o vestido do nosso casamento. Quero casar com um vestido longo, bem clássico, e na igreja lá do meu sogro querido.

- Deixa de ser ridícula, Katy. Se você começar com esta idiotice de paixão eu te largo tá. Não suporto papinhos de amor.

- Você nunca vai deixar esta tua frieza de lado?

- Não. Jamais. Não caso contigo e com ninguém. Não porque você é da noite, mas eu não caso porque não vim pro mundo pra isto. Você me entende?

- Não, Rafa. Mulher nenhuma que ama entende esta besteira. Você não pode exigir que eu aceite que você não vai casar comigo e com ninguém. Nós temos uma química na cama, entende. Eu não sinto nada parecido do que sinto contigo, entende?

- Não. Eu não entendo nada e não quero entender. É cama e acabou. Já tá sendo demais. Poderia pegar qualquer menininha, virgem, bonitinha. Tô aqui perdendo o meu tempo contigo.

- Podia mas não pega, Rafa. Você me ama, você me quer.

- Não. Não vou casar contigo e com ninguém. E chega deste papo. Vai te vestir. Volta pro salão e eu tenho que ir embora. Amanhã terei um dia pesado. Cheio de atividades, reuniões, coisas para fazer. E não posso chegar cansado.

- Rafa, uma hora vou cansar desta palhaçada sua, viu.

- Vai, cansa mesmo. Aí eu pego outra. A Lúcia Furacão é pra farra. Aí eu arrumo uma trouxa pra casar, fazer filho e manter a pose de paizinho. Tchau, Kate, sai fora, vai embora daqui. Ah, quem tem que ir embora sou eu, não?

- Vai sim, Rafael. Vai embora. Vou te esperar, sempre.

- Você é uma boa menina. Boa de cama, não é maravilhosa não. É boa, faz o arroz com feijão e deu. Tá bom, mas uma hora, vou querer mais.

Katy Lúcia se veste, chorando e sai do quarto. Rafael vai até o banheiro, toma um banho, se veste e vai embora. Volta para casa. Assim que chega, vê sua mãe, sentada na varanda. Os dois se vêem e uma discussão começa:

- Rafael, meu filho, até agora na rua...

- O que você tem a ver com a minha vida. Cuida da sua, que é já bem medíocre. Foi na igreja hoje à noite?

- Não fui. Minha vida não é medíocre. Sou mãe, sou esposa, sou mulher, e virtuosa.

- Sei. Tá, conta outra. Agora malandras que nem você são virtuosas...

- Chega, Rafael. Já não te bato mais porque não tenho mais forças pra isso. Não te surro porque já surrei, não te bato porque já bati. Não tenho mais como vencer o teu ódio.

- Você não me bate porque eu já disse que se você me tocar a mão eu te dou uma surra. Eu tenho ainda muita força pra te dar uma surra sim. Mas não faço isso porque não vale a pena perder tempo contigo. Se o papai que é o papai não perde tempo contigo, você acha que eu vou perder. Só o anjinho do Lucas mesmo.

- Filho que segue o que diz a Palavra de Deus. Filho que tem temor e que tem uma vida de honra.

- Já sei. Você vai dizer que é o meu contrário, não é, mamãe?

- Rafael, estou cansada. Estava aqui olhando para o céu e tentando dormir.

- Dormir no quarto de hóspedes, ou no do Alexandre. Com o papai, nem pensar, não é?

- Você sabe que... olha, Rafael, tenha uma boa noite.

- Com certeza, se não tiver mais que olhar para a tua cara, vou ter sim uma boa noite. Pelo menos, vou conseguir dormir.

João aparece na sala e vê mãe e filho conversando:

- Que bom vê-los aí. Conversando, desejando uma boa noite um para o outro.

- Papai, como você é idiota. Aliás, irônico é melhor. Não estava dando boa noite a ela não. Estava tentando chegar em casa e tive que dar de cara com esta mulher, na sala, dizendo que estava olhando para o céu. Estava na verdade me espionando, tentando controlar a minha vida. Como sempre, querendo dar uma de mãe.

- Ora, meu filho, mas você sabe que a sua mãe tenta manter a imagem de boa mãe, tenta ser dona de casa, mulher de pastor, tenta viver a farsa. Deixa ela representar direitinho.

- João e Rafael. Definitivamente, só Deus para me fazer suportá-los.

- Mamãe querida. O que me resta é te aguentar. Quem sabe um dia você morre e nos deixa em paz. Aliás, paz não porque ainda vamos ter que gastar com a tua morte, pagar enterro, fazer cerimônia para você.

- Rafael, você é muito ácido. Meu filho, não diga assim na cara de sua mãe. Não diga nada. Não perca seu tempo com ela. No teatro da vida, a ironia é o melhor roteiro.

- É João. É o que você fez comigo, com as crianças, e agora faz com aquele povo que vai na igreja. Um dia eu abro a boca e conto tudo.

- Vai abrir nada. Se abrir, já sabe Rosana. Só vai abrir, dar uma respiradinha e deu. Vai para baixo da terra. Se é que lá é o teu lugar. Acho que é mais embaixo ainda.


Mais emoções prometem.
Entre louvores e amores.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

ENTRE LOUVORES E AMORES, CAP.2, CONTINUAÇÃO

II CONTINUAÇÃO

Com o coração apertado, Rosana então fala ao filho, com um olhar triste, mas terno:

- Pois é, meu filho, é tão difícil poder entender tudo isso que acontece nesta casa. Sinto uma falta do Alexandre. Sinto falta de sua sensatez, de sua paciência em resolver as dificuldades. É ele quem aconselhava a todos quando precisávamos de conselho. Parece que falta o chão com a partida dele. Queria tanto que ele voltasse.

- Mas mãe, para ele voltar, precisaria sim perdoar ao pai. Será que ele perdoa?

- Acho difícil. Também, o que seu pai falou a ele não se fala nem para um animal. Ele não podia ter se referido de modo tão cruel com Alexandre. Mas eu tenho fé que um dia ele irá voltar para São Paulo e esquecer tudo o que aconteceu. Aliás, esquecer não sei, mas,pelo menos, perdoar.

- Mãe, para Deus nada é impossível. Eu acredito que ele pode perdoar o pai, sim. Apesar de tudo o que aconteceu. Ele pode dar a volta por cima e viver com a gente. Mãe, você viu se o Pedro já chegou, se saiu?

- Pedro, teu irmão? Não o vi hoje o dia inteiro. Só na hora do café da manhã. Ele chegou de madrugada. Passou a noite em uma festa, disse que tocou com a banda dele e que ficou lá com umas garotas e uns amigos. Pedro sempre nesta vida. Ele não larga da noite e das farras.

- Rafael também veio pra casa, mãe?

- Ele não fala comigo... eu vi ele conversando com seu pai pela manhã. Depois não vi mais nada. Não sei onde ele foi. Ele também não me diz o que anda fazendo.

- Mamãe, eu não sei quem é pior, se é o papai ou o Rafael. Acho que o Rafael consegue ser pior. Ele briga com a senhora, briga com o Pedro. Ele mal olha na minha cara. Mas com o papai, parece que foram feitos um para o outro.

- Vai entender... Mas filho, vamos dar uma volta no pátio, quero te mostrar as novas mudas que ganhei.

Os dois saem para conversar. E com trânsito e afins, Amanda chega em casa. Não encontra ninguém, mas vê Sílvia se arrumando para sair.

- Sílvia, tudo bem? Você viu o pessoal, onde está a mãe, o pai?

- Não vi não, Amanda. Olha, estou me arrumando para sair. Não sei que horas volto, mas acho que daqui a pouco todos devem estar em casa.

- A vó Alba também saiu?

- O que você acha? Aquela velha não sossega. Você acha que vai encontrá-la em casa fazendo bolo pro chá da tarde. Acho que nem no dia do velório aquela velha sossega.

- Nossa, Sílvia, que mal humor! Você fala tão mal da vó e de todo mundo...

- O que é, anjinho barroco? Eu só digo a verdade. Não sou mosca morta como você.

- Acontece que sou mais educada e mais equilibrada do que você, irmã Sílvia.

- Claro que é.. é virgem, é boazinha, trabalhadora, estudiosa, quase uma santinha, só não é porque já beijou na boca.

- Chega, Sílvia! Para com isso, não suporto mais tanta ofensa, tanta falta de respeito tua.

- Eu é que não suporto a mediocridade desta casa. Bom, tchau. Passe bem, Amanda.

Amanda vai tomar banho, coloca uma música no som do quarto. Depois do banho, coloca uma roupa leve, faz um chá e toma. Pega um livro para ler e de repente, abre a janela, olha para o céu, vê o sol se despedindo do dia e começa a orar:

Senhor Jesus
obrigado pelo meu dia
obrigado pela minha vida
Senhor, não tenho nada a te pedir
e só a te agradecer.
Te agradeço pela minha vida
te agradeço pelo meu dia
peço que o Senhor abençõe a minha família
Abençõe o meu trabalho
Faça morada em minha vida
Amém, Senhor


Em outro ponto de São Paulo, Lucas e Rosana aproveitam para fazer as suas orações. Entregam suas lutas e Lucas então fala em nome de todos:

Senhor, meu Pai
Peço um milagre em minha família
Senhor, perdõe meu pai
perdõe o meu irmão Rafael
perdõe o Alexandre e cuide do Pedro
Dê força para a minha mãe continuar a viver
Jesus,
Abençõe a toda minha família
Com bênçãos de fé e de saúde
Te peço, meu pai
Faz um milagre em minha vida e na de minha família
Jesus, amém

A noite vem, e promete muitas emoções, sensações, decepções.
Entre louvores e amores

ENTRE LOUVORES E AMORES, CAP.2

II

Tipicamente paulistano, o dia amanhece cinzento. Uma mistura de poluição do ar com a neblina que anunciava a chegada de um inverno úmido e frio. A garoa básica, um vento muito suave, mas frio, já mostrava o que poderia vir. Mas nada disso abalava o dia de Lucas. Um rapaz tranquilo, calmo, mas retraído. Mais um dia começava e ele se preparava para faculdade, trabalho e talvez um ensaio musical no início da noite. Tudo programado, esquematizado e controlado. O que saísse fora de seu controle deixaria o dia difícil.

Mesmo assim, ele não perdia a calma. Acordou cedo, tomou banho, colocou a calça social azul marinho, camisa xadrez em azul e branco e pegou um blazer azul marinho também, combinando com a calça. Sapatos pretos, previamente engraxados, assim saía Lucas para mais um dia de trabalho. Como acordou mais cedo, não tomou o café com a família. Saiu porque sabia que o trânsito naquele dia seria mais difícil que o normal.

Assim que chega à faculdade, satisfeito porque não pegou engarrafamentos tão extensos no trajeto, Lucas estaciona o carro, pega sua mochila e sobe para o pavilhão. Chega na sala, organiza seu material e cumprimenta os colegas que estavam próximos. Viu que Amanda estava perto e também a cumprimenta. Amanda a cumprimentou também, de forma calma, tranquila, mas tímida. O que era o seu normal.

Vem o momento do intervalo e Lucas vai tomar um café na cantina. Ele convida Amanda para ir tomar um café junto com ele. Ela, prontamente aceita o convite e vai. Na cantina, começa uma conversa:

- Amanda, você tá gostando das cadeiras este semestre?

- Estou sim, Lucas. O curso parece estar andando mais rápido. O semestre passado passou tão rápido e nem deu para sentir. Você não achou?

- Claro que sim. Aliás, tudo está passando rápido. Tudo parece cada vez ficar mais rápido. Mas Amanda, o que você tem feito nos finais de semana?

- Lucas, eu fico em casa. Trabalho muito durante a semana. Fico em casa, descanso, leio e vou à igreja, aos domingos, pela manhã e a noite.

- Você também é evangélica?

- Eu sou sim. Eu frequento a Igreja do Avivamento. Fica próxima da minha casa, no Itaim Bibi. E você, também é evangélico.

- Sou. Eu sou membro da Igreja do Fogo Santo, que fica na Moóca, onde moro.

- Você mora na Moóca. Tenho uma tia que mora na Moóca. Eu vou na casa dela de vez em quando. Aliás, amanhã acho que vou lá depois do trabalho. Vou tomar um café com ela, conversar. É uma amiga muito querida. É irmã de minha mãe.

- Que bom, Amanda. Uma hora vou te convidar para ir na nossa igreja. Lá é muito bom. Tenho certeza que você vai gostar. Amanda, vamos voltar para a aula, já bateu o sinal.

- Vamos sim, Lucas. Claro que vou sim. E também vou te convidar para ir na minha igreja, a Igreja do Avivamento. Meu pastor, o pastor Cláudio é um homem abençoado e a igreja é muito aconchegante.

Lucas e Amanda voltam para a sala de aula e continuam por mais três períodos até o final da manhã. Chega a hora do almoço e eles saem. Lucas pergunta a Amanda:

- Você aceita almoçar comigo um dia destes?

- Claro, Lucas. Vamos combinar sim. Na sexta-feira pode ser, é que na sexta-feira entro um pouco mais tarde no trabalho e a gente não tem o último período. Pode ser?

- Amanda,por mim, tudo bem. Na sexta-feira, depois da penúltima aula a gente sai.

- Fechado, Lucas.

Os dois se despedem com um beijo educado no rosto e cada um vai para o seu lado. Lucas pega o carro e vai para o trabalho, almoça em um restaurante pequeno perto do banco onde trabalha. Amanda vai para o metrô, pega o trem e também vai para o escritório de advocacia.

Passa o almoço e Amanda chega ao escritório. Lúcia Helena a cumprimenta e passa algumas providências que os advogados deixaram para ela cumprir. Mas antes de conversar, Lúcia Helena convida Amanda para tomarem um cafezinho na cozinha. As duas vão e trocam algumas ideias.

- Amanda, eu estou tão preocupada. O Raul nunca é de faltar a um compromisso. Marquei com ele uma saída a um barzinho ontem depois das sete da noite e ele não apareceu no bar. Liguei pro celular dele e nada. Mandei e-mail, scrap, deixei recado no Twitter dele e nada... o que será que aconteceu?

- Você tem certeza que ele não te respondeu? Você viu o teu Orkut, o teu Twitter, tem certeza que ele não te respondeu. De repente ele teve alguma reunião de última hora. Ficou preso no trânsito. Mas fica calma porque nada de ruim houve.

- Ah, Amanda. Eu sempre enrolada com os meus casinhos. E tu, amiga, tá saindo com quem. Tu teve saindo com o Valter, não deu nada?

- Não, Lúcia. O Valter é um rapaz muito legal, mas não deu certo. Ele acabou ficando na amizade. E nós achamos que era melhor assim. Fiquei com medo de me envolver com o Valter. Ele já foi casado, não quer casar, não quer um relacionamento sério. Sou uma moça solteira. Eu quero é namorar, ficar noiva e casar. E tudo com a aprovação de Jesus e também de meus pais.

- Amanda, eu vou na tua igreja neste final de semana. Posso ir contigo?

- Claro, Lúcia. Você sabe que te convido há bastante tempo. Lúcia, o café tá ótimo hoje, mas vamos trabalhar?

- Claro, futura chefinha. Vamos lá.

A tarde passa, mais um dia termina e todos voltam para casa. Lucas chega, cumprimenta a todos e vai até a cozinha de casa tomar um café. Lá, encontra seu pai. Lucas o cumprimenta:

- Oi pai, boa noite.

- Oi, Lucas. Como foi o seu dia?

- Foi bom. Aula, trabalho. Agora vou me preparar para ir à igreja, não tem ensaio hoje? O Patrick tá sabendo do ensaio de hoje?

- Eu acho que sabe. Não falei com ele hoje.

- Pai, você tá com uma cara tão fechada. Algum problema?

- Nenhum problema. Eu não tenho problemas, eu tenho é soluções. Além de dinheiro no bolso é claro. Dinheiro pra sustentar esta casa, tua mãe, vocês. Dinheiro para não faltar nada. Você não acha, filho?

- Pai, não precisa ser irônico. Não há necessidade disto.

- Não sei qual é a sua em perguntar sobre minha cara. Como se você se importasse muito comigo...

- Pai, não vamos começar. Não quero brigar com o senhor.

- Nem eu quero. Não quero é nada. Tenho muito o que fazer. Com licença, Lucas.

- Toda a licença, pai.

A conversa vai fria. Rosana vê João sair da cozinha, pegar o casaco e sair em direção à garagem. Ele iria sair, mas ninguém perguntou mais nada. Lucas vem para a sala, com os olhos marejados. Olha para a mãe e diz:

- Mãe, eu não entendo meu pai. Não entendo a razão de sua agressão. De suas ironias. Não sei porque ele age assim. Parece que está sempre culpando a todos. Aliás, ele age assim comigo, com a senhora. Com o Alexandre, nem se fale. Bem que ele fez em ir embora de casa. Tá longe mas tá bem.
- Não tá bem não meu filho. Ele quer voltar. Mas entendo. Ele preferiu ir embora. Teu pai é uma pessoa a qual ninguém entende. Teu pai não é um homem pacífico. Ele não vive em paz. Mostra para os outros que vive. Lucas, meu filho, deixa isso pra lá. Deixe ele para lá. Uma hora ele se acha na vida.

- Mamãe, você é muito otimista. Eu não tenho este otimismo todo. Não entendo porquê o Rafael é o queridinho dele. Parece que ele ama só o Rafael. E nós, onde nós ficamos nesta história. Ele é seco e frio com todos nós. Menos com o Rafael

sábado, 7 de novembro de 2009

ENTRE LOUVORES E AMORES, CAP.1

I

Naquele primeiro dia de aula, Lucas acordou atrasado. Era uma segunda-feira, a segunda semana de fevereiro. O carnaval já tinha passado e a vida parecia voltar ao normal. Em se tratando de São Paulo, foi só nos dias de Carnaval que a cidade deu uma breve aliviada. Lucas acorda, toma banho, o café correndo, pega o carro e corre para a faculdade. Mesmo apressado, consegue estacionar o carro em uma vaga, na apertada garagem da faculdade. Sobe as escadas com pressa e, faltando alguns metros para chegar a porta da sala de aula, Lucas pára, dá uma respirada e entra na sala. Ali, o professor da cadeira de Direito Penal começa uma conversa com o restante da turma. Ali alguns alunos novos entravam naquele grupo, pois estudavam em outros horários da faculdade e haviam optado pelo turno matutino.

O professor Augusto colocou todos os anos em um círculo. Ali passavam a se apresentar, de forma espontânea, quem assim o desejasse. Lucas então se apresentou e reencontrou Bernardo, Alessando, Paulo e Rafael, seus colegas desde o início do curso. Conversou com Alessandro e comentou com ele sobre o futebol que foram em São Bernardo do Campo. Alessandro disse que não pôde ficar ao churrasco depois do futebol porque tinha um compromisso na igreja onde congrega, pois iria preparar a mensagem para dar à comunidade àquela noite. Lucas também disse que saiu mais cedo, logo após o término da partida porque tinha que arrumar os instrumentos musicais para o culto da noite, também na igreja onde congrega. Paulo e Rafael também participaram da conversa, falando de um show gospel que teria em uma comunidade evangélica em duas semanas.

Professor Augusto então chamou a atenção dos jovens para continuar ouvindo as apresentações. Foi então que uma moça tímida e ao mesmo tempo tranquila se apresentou, era Amanda:

- Bom dia, me chamo Amanda Nogueira, tenho 22 anos, venho da turma noturna. Passei para o dia porque arrumei um emprego como secretária em um escritório de advocacia próximo da Avenida Brigadeiro Luís Antônio. Estou muito satisfeita com o emprego no escritório e espero aprender mais sobre Direito Penal. Obrigado.

Professor Augusto agradece a fala de Amanda e então prossegue a aula. Vem o intervalo e Lucas sai com os três colegas para a lanchonete. Tomam um café e continuam a conversar sobre os eventos, as músicas gospel, os jogos de futebol e lembrar as férias as quais foram boas. Lucas não viajou para longe, em suas férias que teve no banco, apenas 15 dias, deixando o restante para o inverno, foi para o Guarujá. Lucas trabalhava no departamento jurídico de um banco. Estava quase efetivo. Entrou na instituição como office-boy. Quis trabalhar para ter o seu dinheiro, comprar instrumentos musicais e também passear com amigos, acampar em praias, passar o dia em parques aquáticos e em cascatas no interior paulista. Lucas havia comprado, há poucos meses, seu primeiro carro, um Ford Fiesta. Usado, ano 1999, mas era seu primeiro carro. Trabalhava e deu boa parte do valor do automóvel à vista. O restante, teve a ajuda de seu irmão, Pedro.

Voltam para a sala de aula e todos continuam a assistir as cadeiras, aos turnos. Alguns reencontros acontecem. A turma de Lucas já vem em maioria unida desde os primeiros semestres do curso de Direito. Alguns alunos novos entravam na turma, como era o caso de Amanda Nogueira. Amanda não conhecia ninguém naquele horário. Participou das atividades e conversou com algumas colegas de sala.

A manhã passou, e era chegada a hora de ir para o almoço. Almoço para quem tinha tempo de comer com calma. Calma na estressante e pulsante São Paulo é algo meio raro de achar. Lucas vai até o estacionamento da faculdade, pega o carro e dá uma carona a Rafael, que também trabalha perto da Avenida Paulista. Trânsito pesado e tumultuado para o horário do meio-dia. Os engarrafamentos medonhos de São Paulo já prevêem que Lucas vai chegar atrasado ao trabalho. Da faculdade, que fica no Paraíso, não é tão longe da região da Paulista, onde também Lucas trabalha. Mas com o trânsito engarrafado que estava naquele momento tumultuava, Lucas aproveitou e lanchou antes de ir para o trabalho.

Assim que sai da faculdade, vê Amanda sair a pé, segurando a bolsa e os cadernos e livros. Chega à beira do meio fio da rua e pede para Rafael abrir o vidro do carro. Lucas pergunta:

- Oi, você é Amanda não é? Você vai para que lado. Eu estou indo para o lado da Avenida Paulista. Você quer uma carona?

Amanda, educadamente, olha para o rapaz e responde:

- Você é Lucas, não? Lucas, muito obrigado, mas vou pegar o metrô, que está aqui pertinho e vou. A Estação Paraíso tá aqui pertinho e aí é um pulo até onde vou. Obrigado pela carona.

Lucas responde:

- Ah, tudo bem. Hoje não deu, mas outra hora, quem sabe você aceita a carona. Tudo bem, um bom trabalho pra você.


Lucas segue e Amanda vai caminhando até o metrô. De lá, pega um trem não tão lotado e vai para a região da Brigadeiro. Desce em uma das estações da Avenida Paulista e vai para o escritório. A tarde ali prometia, e muito. Trabalho no escritório não faltava. Eram dez advogados, todos trabalhavam com as mais variadas áreas do Direito. Amanda e Lúcia Helena, outra colega de trabalho se dividiam em dez, vinte ou trinta para atender as agendas daquele monte de advogados. E olha que um dia de expediente era pouco. Lúcia Helena, colega de Amanda, era uma gaúcha muito trabalhadora. Cursou Secretariado Executivo Bilíngue. Havia chegado há menos de cinco anos em São Paulo. Trabalhava muito. Era muito correta, competente e séria, procurava ensinar tudo para Amanda. O sonho de Lúcia Helena era ir embora morar nos Estados Unidos. Havia saído do interior gaúcho para estudar em Porto Alegre. Veio para a paulicéia tentar novas oportunidades. Amanda entrou no escritório como auxiliar de secretária e foi promovida a uma secretária inicial, claro, subordinada primeiramente a Lúcia Helena e também aos advogados. Mas prestava contas de tudo para Lúcia Helena, que era sua chefe direta.

Lucas era um rapaz competente, simpático mas sério ao mesmo tempo. Nascido em Florianópolis, cidade onde foi criado até os 16 anos, veio para São Paulo com parte da família. Seu pai, o pastor João Souza, nascido no interior baiano, se ordenou pastor em Goiânia. Em Goiânia, conheceu a ainda jovem Rosana, menina órfã que veio de Minas Gerais, trazida pela sinistra dona Rosinha. Depois de um casamento arranjado entre Rosana e João Souza, a família ficou mais uns dois anos em Goiânia e se mudou para Florianópolis. Tiveram quatro filhos, todos homens: Alexandre, Rafael, Pedro e Lucas. Alexandre nasceu em Goiânia, assim como Rafael, Pedro e Lucas nasceram na capital de Santa Catarina. A mudança para São Paulo foi tomada de forma rápida e também misteriosa até um certo ponto. A família se mudou para São Paulo, onde foi morar no bairro da Moóca. No mesmo bairro, alugaram um amplo salão e abriram a Igreja do Fogo Santo, a qual pastor João Souza era pastor.

Amanda nasceu no Rio de Janeiro, filha de servidores públicos que vieram para São Paulo há mais de 20 anos, já se acostumaram a paulicéia. Não perderam a carioquice do sotaque, mas já eram paulistas na agitação e no modo de trabalhar. Aposentados, resolveram ficar em São Paulo porque acreditaram ser um local com mais trabalho e oportunidades para as filhas trabalharem. Amanda era irmã de Sílvia e da pequena Maria e toda a família, junto com a vovó Alba, mãe de Roberto Nogueira, pai de Amanda, moravam no Itaim Bibi, próximos da Igreja do Avivamento, onde congregavam.

Mas depois de tudo isso, a vida seguia com normalidade. Amanda trabalha, Lucas também trabalha, não só eles, mas paulistas, brasileiros e estrangeiros que estão na megalópole também trabalham. E muito, jornadas árduas, cheias de horários, reuniões e responsabilidades. É o Brasil que pulsa, 24 horas sem parar.


NO PRÓXIMO CAPÍTULO: UM OI E UM PAPO...

NOVIDADES NO BLOG

Aguardem.

Neste espaço, começará a ser escrita uma história de amor, paixão e fé.

Em breve.

DIANTE DE TI

Diante de ti
me derramei em paixão
me derramei em ardor
me derramei em desejo de te conhecer
em vontade de te ter

Te olhei com os olhos
te registrei na minha memória
Desde que te vi
não esqueci de ti

Por que te amo tanto?
por que te desejo? por que te quero?
talvez porque em ti
vejo o melhor de mim

Em ti vejo o meu futuro
vejo os frutos que quero ter
a continuidade, a perpetuação
seja na biologia ou no coração

Digo e assumo que te amo
Assumo a ti que ao te amar
também me amo

Te amo com intensidade
com calor
com emoção
quero te amar, mas sem paixão

Eu me derramei
agora, te amei
para sempre, quero ser teu par
quero respirar o teu ar
copiar o teu andar


As palavras ficam no eterno
o eterno é o amor que tenho e que sinto
por ti,
flores deixo no caminho
cores eu pinto com um pincel
perfumes eu borrifo o ar
só para tu passar

Diante de ti
aqui estou
aqui me inflamo
aqui aclamo
um pouco do teu mar
um pouco do teu céu

Diante de ti
te amo sem fim

FALANDO SOBRE O AMOR

O amor nos liberta. Amor físico nos liberta? De certa forma sim, porque o amor físico está preso em algumas convenções, regras e normas, as quais a gente tem ainda que passar de geração em geração. Convenções sociais as quais nos dão regras para vivermos em uma sociedade, a qual dizemos que é normal... seria normal se não houvesse tantos escândalos envolvendo sexualidade, o que mais vemos hoje em dia.

Mas o amor o qual falo é aquele amor que passa a habitar dentro de nosso coração. É o amor o qual buscamos olhar na essência das coisas. O amor pelo que foi criado, o amor pelo céu, pelo mar, pelo ar, o amor pela água, o amor. Amar é zelar, é cuidar, é proteger. Amar é encher o coração de algo, de um perfume o qual não sabemos onde está. Amar é ser livre.

Posso dizer a vocês que o amor para mim é algo que vem de fora e vai pro coração. Entra pelo olho, ouvido e vai pro coração. Posso dizer a vocês que o amor também vem da inspiração. Quero amar assim como Jesus amou. Isso falo no meu caso e de uma forma altamente particular, pois para mim Jesus não é religião, Jesus é amor, é alguém que passou, deixou uma mensagem, vai voltar e vai tornar tudo mais lindo ainda.

O amor também está na luta, na dificuldade. O amor une, o amor congrega, o amor acolhe. Acolhe ao dividir um prato de comida, dividir uma meia marmita, dividir o sabonete para durar para todos até o final do mês. O amor está na prova, porque é na prova que se libera a fé e a confiança. Quando a gente confia a gente ama, quando a gente tem fé, se tem amor.

O amor entra pelos olhos também pelos livros. Os livros libertam a criatividade, libertam os sonhos e nos libertam da rotina. Os livros agradam também a alma e o intelecto.

Amor, mais ainda, também é escrever um blog. Mesmo que virtualmente, essas palavras vão chegar a milhares de pessoas, a milhões. E poderão pensar e refletir e ver que o amor vai além das convenções e além do que imaginamos. O amor pode ser abstrato, mas é real quando entra no coração e ali se instala.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

FLORES PARA TI

Amiga,

Trouxe flores para ti. Hoje vamos para a metade do ano e eu tenho o teu sorriso guardado na minha lembrança.

Risada alegre, verdadeira. Risada sincera e negra no jeito de ser e viver.

As comidas que tu fazias, as histórias que tu me contava. É tudo tão presente e tão real.

Os tantos negros e negras que tu contaste nas tuas tramas. As conversas de morro, papos de boteco, tantas e tantas lendas. Muito viajei em tudo o que tu produziste.

Nem creio que a gente embarcou junto em mais uma. Contamos juntos a história de um homem zen, de bem com a vida. Não me lembro de seu nome, mas fiquei louco para conhecê-lo. Creio que seria uma figura maravilhosa e única.

Trouxe para ti as flores que tu mais gostas, os doces que tu mais gostas. Andei pelos caminhos que tu andou. Fui na tua terra e dei a volta na praça onde tu andou na tua mocidade. Fui lá e experimentei um pouco do teu mundo. Me identifiquei muito.

Tu eras uma promessa em minha vida. Disse que um dia eu falaria de flores. E falei.
Falei de ti. E falo sempre de ti.

Tu estás sempre comigo. As flores que entrego a ti são a homenagem de meu amor, de meu sincero amor por ti. As flores são as mais lindas do campo, as com um perfume sem igual. Sei que de onde tu estás, tu as recebeu. E agora contemplas o jardim ao teu redor.

Não existe dor e nem separação. Não existe adeus. Não tem choro e nem ranger de dentes. Tem um imenso agradecer, por tudo o que tu me destes. Pela coragem que tu me ensinou a desbravar caminhos, a suportar dores, ser mais forte, mais firme em momentos onde achava que não iria continuar.

Amiga, trouxe flores para ti. Essas flores são para mim também.

Para sempre, o que fizestes estará no eterno. E vivas estão as tuas histórias, dentro de cada um de nós.

Amiga, novamente te digo:

Trouxe flores para ti.

PIREI

Augusto sempre foi um rapaz muito equilibrado. Criado em ótimas escolas, filho de um pai severo e de uma mãe preocupada com etiqueta e boas maneiras, o menino era o caçula de uma prole de cinco irmãos. Jamais o pequeno Augusto quebrou um copo quando criança, botou a língua para os mais velhos e fez alguma traquinagem que colocasse a sua saúde em risco. Nunca caiu da bicicleta, jamais quebrou um braço. Brigar na rua, jogar bola com a molecada, cuspir no chão e coçar o saco? Isso são coisas que jamais Augusto faria.

Seus brinquedos eram poucos. Em seu quarto, uma multidão de livros e mais livros. Augusto, o tão perfeito menino caminhava para uma trajetória de vida também perfeita. Aluno exemplar na escola, filho exemplar em casa. Tudo que Augusto fazia ganhava eco dentro da família. Seus irmãos gostavam das boas maneiras do menino, mas achavam que ele era muito reprimido, muito preso a regras, normas e condutas. Tudo o que fazia, ou dizia, agradava aos ouvidos dos mais velhos, como um bálsamo para as tão sonhadas boas maneiras.

Augusto foi pequeno. Hoje é um mocinho. Um adolescente. Rosto angelical, nada de espinhas no rosto. Gostar de fast food? Nem pensar. Tudo no jovem é perfeito. Se alimenta na hora certa. Come pouco, frutas e verduras. Nada fora daquilo que é dito como correto. Fumar, beber... jamais Augusto poluiu seus lábios com substâncias diferentes ao que é limpo, politicamente correto. Nada que possa envergonhar a imagem e a mancha de sua família.

Augusto não perdia a missa dominical, não perdia os almoços de domingo. Jamais faltava a compromissos sociais, jamais faltava a coisas e mais coisas que se comprometia. Na escola, o aluno nota dez. No grupo de amigos jovens da igreja onde ia, o mais educado e o mais aplicado às coisas de Deus. Jamais falava algo torpe. Um verdadeiro anjo em forma de gente.

Em seu quarto, fechado, o “santo menino” escondia embaixo do colchão, algo que jamais sua mãe, seu rígido pai, irmãos e outros imaginavam. Revistas e mais revistas de nudez, com belas mulheres, de todas as cores. Escondido no guarda roupa, uma garrafa de conhaque. Nas madrugadas, quando acordava, sem que alguém percebesse, Augusto colocava o seu ipod no ouvido e ouvia um rock tão pesado e tão metaleiro. Uma música que sequer podia ser ouvida por aquele rapaz que, diante da família e dos amigos, dizia ser amante da boa música clássica.

Augusto bebia, imaginava-se rodeado de música pesada e mulheres. Se imaginava coçando o saco, cuspindo no chão, beijando na boca da primeira que aparecesse em sua frente. Tudo aquilo tinha um tempo controlado. Eram duas horas. Duas horas de loucura, por duas vezes por semana. Até nisso Augusto era meticuloso e, de certa forma maquiavélico. Cometia a sua transgressão de forma muito bem pensada, para que ninguém desconfiasse que sua imagem pura e sacra pudesse ser abalada por pensamentos torpes e imorais.

Augusto levou por muito e muito tempo escondido esses momentos de êxtase e loucura. Certa noite, já com a maior idade na cara, foi sair. Disse a seus pais que iria para a casa de uma amiga e foi para uma casa noturna. As luzes e o som forte ali levaram Augusto a viajar. O som era eletrônico. A todo volume. Além disso, o pessoal que dançava fazia competição de ipods, quem conseguia chegar ao volume mais alto.

Mulheres de pretinho básico, cabelos alisados com chapinha, chicletinhos ao canto da boca. Meninos com garrafas ice na mão, dançando ao som do Psy que rolava. A noite estava muito louca mesmo. Quem conversava não conversava. Passava papéis com endereços de Messenger, ou então marcava um chat para outro dia.

Nos corredores da casa noturna, beijos e amassos. Quem conseguia ir para um cantinho escuro, transava ali mesmo. Com preservativo ou sem, não importava, o negócio era entrar na roleta russa do perigo. A noite estava desvairada e os corpos balançavam em um ritmo frenético, onde era inelegíveis as palavras. Músicas sem melodia, cores sem cores, sabores sem sabores. Assim era aquela festa. Era uma festa? Sim, era. Para aquele grupo que ali estava era sim um modo de se divertir.

Augusto paga o ingresso, entra sozinho e sozinho vai para perto da pista. Observa aquelas performances no palco. Ele começa então a fazer alguns passos e tenta dançar, copiar aquela dança que ali acontecia. Entra na roda e começa a dançar. Nem ele imaginava que sabia tão bem dançar aquele estilo tão diferente aos olhos do mundo e da sociedade onde ele provinha.

Sem saber, é observado. E, assim, sem imaginar, é prensado perto da parede por uma loira fatal. Indefectível. Bem básica para aquela noite. Cabelos lisos, vestidinho preto, botas, perfume importado. Ela o olhava e lhe perguntou se ele tinha um cigarro. Ele não fumava. Ela então abriu a bolsa e o ofereceu um cigarro. Augusto aceitou, fumou, dançou. A loira riu, bebeu, bebeu e riu. Augusto, o menino pudico, de olhar terno para uma hipócrita sociedade, ali colocava pra fora a sua selvageria.

A noite acabou na cama redonda. Misteriosa, fugaz. Cama redonda, luz vermelha, quarto vermelho. Fétido, batido, de baixo calão. Assim Augusto arrepiou. E a loira? A loira se esbaldou. Cigarro, vinho, cerveja, vodca, música alta, banhos de banheira. Foi um horror. Um horror imaginar os palavrões, as expressões chulas que rolaram por aquela madrugada, naquele motel barato, com custos acessíveis para jovens que não tinham muito dinheiro. A noite de Augusto foi marcante. Exatamente como ele imaginou e como via, escondido em seu quarto, ilustrado nas revistas imorais, baratas, compradas nas bancas por aí afora.

A loira e Augusto formaram um par. Ficavam, não ficavam. Não namoravam. Eram sim usados um pelo outro. Usados nos mais carnais deleites. A loira ensinou ousadias ao jovem e ele a colocou no sacrosanto e pudico mundo o qual vivia. Um mundo onde não existia a torpeza noturna onde muitos jovens embarcavam. A loira gostou. Augusto também. E assim ficavam, entre os prazeres da carne e os deleites da castidade.

Aquele dia, onde Augusto foi para a balada e caiu nos braços da loira foi marcado, anotado e valorizado. Em sua agenda, a qual guardava anotado seus sagrados e pontuais compromissos, ele escreveu:

- Pirei!

sexta-feira, 26 de junho de 2009

NÓS, PEQUENO TEXTO PARA VOCÊS

Amigos blogueiros, sei que vocês devem estar curiosos para ver e ler o texto de NÓS. Meu primeiro livro. Só tenho a dizer a vocês que esse trabalho chega recheado de emoção. Fala de amizade e conta a história de dois grandes amigos. Uma história de ficção que se parece real a muitas pessoas. Porque muitos que lerem irão se perguntar, será que existe amigos assim. Posso dizer que existem sim. Conheço histórias muito parecidas e é claro, ajudaram a embasar e a dar força na construção desse livro.
Para satisfazer a curiosidade de todos, divulgo aqui no meu blog um pedacinho de um trecho do livro Nós. Um momento bastante emocionante da história, a qual tenho certeza que irá tocar o coração de todos aqueles que lerem. Porque é emoção pura. Emoção e verdade. Verdade de sentimentos, uma linda história de uma linda amizade.

Um abraço apertado entre os dois amigos sela aquele momento, e todos aplaudem emocionados. Afinal, a amizade e a comunhão são sentimentos selados por Deus. E ali havia sim selado uma aliança. Uma aliança de unidade entre duas pessoas completamente distintas, mas que a amizade prevaleceu.

Amigos, aguardem, aguardem amigos de Porto Alegre e Caxias do Sul, cidades onde NÓS será lançado primeiro, em breve. Depois, Florianópolis terá o prazer de assistir ao lançamento.

REPAGINAR

Hoje eu acordei querendo mudar tudo. Me reinventar. Mudar a cor da roupa, o corte do cabelo, o perfume que uso, mudar a casa, mudar de carro, mudar de profissão, mudar o eu. Mudar, reinventar, repaginar. Essa palavra parece hoje tão comum e banal. Mas ela só reflete a uma tendência de comportamento que já vivemos há muito tempo. Estamos sempre com pressa, sempre imediatos, sempre o "agora" e nunca o depois, o mais tarde.

Estamos na sociedade do imediatismo. Somos imediatos e rápidos. Sendo assim, nós também sentimos a nossa imagem desgastada. Sentimos que precisamos sempre mudar, para agradar a todos. Nem sempre nos agradamos, mas nos preocupamos muito com o outro, com o próximo e com a nossa imagem. Uma imagem que nem sempre está desgastada, mas também tem prazo de validade, como tudo o que fazemos e pensamos. Nossa pressa é sempre. Queremos nos repaginar na verdade é queremos nos adequar, e buscar estar feliz sempre. Um feliz que nem sempre parte de dentro de nós. Mas que parte de uma exigência que a louca vida e o louco cotidiano nos coloca.

Mudar para aceitar, para ser aceito, para ser amado, estimado. Isso na verdade é o que buscamos quando queremos nos repaginar. Por raras ocasiões buscamos para andar com as tendências da moda. Sempre buscamos no externo algo para preencher o interno. Nossa preocupação é trazer de fora para dentro, para ver se sai algo de dentro para fora. Nos transformamos em um HD que tem que ser preenchido com informações e com conceitos de fora, para alimentar aquilo que existe dentro de nós.
Isso é ruim? Não sei, não estou para julgar. Mas vale dizer que a repaginação existe e é uma constante de nós, seres humanos.

Repaginar, mudar, inovar. É o que sempre buscamos fazer. Mudar é necessário, oxigenar conceitos também. Mas até onde não colocamos a velocidade em cima desta mudança e não passamos a nos cobrar como se essa mudança fosse algo imediato? Mudar é tão necessário, tão rapidamente.

Vale pensar. Mas se o desejo é repaginar para ficar com um corte de cabelo mais clean, então, faça. Se repaginar é comprar uma roupa nova para o fazer se sentir mais bonito, então faça. Vá sim em busca do que o faz feliz.

Por enquanto é isso.

terça-feira, 23 de junho de 2009

ETELVINA FOI AO CÉU



Levada ao hospital por um filho, depois de passar mal em casa durante o almoço, dona Etelvina não imaginava que viveria uma experiência única. A pressão arterial caía a cada momento. Rapidamente, dona Etelvina tem uma queda brusca de pressão arterial e o coração pára. Naquela unidade de emergência, todos correm. Preparam drogas injetáveis para reativar a musculatura cardíaca, massagem, desfibrilador, tudo está a postos e já começando a ser usado pelos médicos.

Ali, dona Etelvina, naquele momento, começava uma viagem. Olhava para aqueles médicos e com um olhar terno, parecia saber se despedir daquele corpo. Via tudo, assistia ao movimento dos médicos em reanimá-la. Mas dali já subia, partia para uma viagem a qual não sabia para onde a levaria o destino final.

Rapidamente, como uma fagulha, chegou a um local. Era diferente do alvo que imaginava ir. Será que havia morrido ou ido para o tão falado e temido andar de baixo? Foi para o inferno, o que havia feito a dona Etelvina, esposa, mãe de família, senhora casada, séria, mulher crente em Deus?

Etelvina não estava entendendo nada naquele momento. O lugar era vermelho. Tinha raios de luzes claras, mas era todo vermelho. Um vermelho agradável. Intenso mas agradável. Não lhe dava medo. Apenas estranheza.

Um homem, de voz doce e fala mansa se aproximou da recém chegada.

- Etelvina. Que bom que você chegou aqui. Estava lhe aguardando.

Curiosa e assustada, perguntava:

- O que eu esotu fazendo aqui? Quem é você? Eu morri.

O homem, com um sorriso, lhe disse:

- Não, você não morreu não, Etelvina. Você renasceu. Você está no eterno. Sua vida agora é infinita. Sem dor, sem sofrimento.

Ela volta a perguntar:

- Mas que lugar é esse, então?

Ele diz:

- Aqui é o espaço da misericórdia. A luz vermelha e o vermelho desse local simboliza o coração, o sangue, o amor. A misericórdia é um espaço que recebe poucos irmãos. São poucos os que vem para o espaço eterno. Saiba que você está aqui porque foi uma excelente mãe, uma dedicada esposa. Fostes uma mulher de fé e tens o teu coração recheado de amor. Você está aqui para conhecer esse lugar. Ver que existe um local destinado a receber irmãos especiais. Nem tudo o que te contaram sobre o aqui é igual para todos. Existe o espaço da misericórdia.

- Então eu morri. Mas não tive tempo de fazer algumas coisas, meu senhor. Mas olha, é um lugar tranquilo. Não imaginava que era assim, vermelho. Eu vou ficar aqui, senhor?

- Não, Etelvina. Você vai voltar para a sua vida. Você vai de volta para a sua casa, seu povo, seus filhos, netos. Seu marido está bem. Ele está em outro plano. Você não o verá mais como um marido, porque no plano eterno somos todos irmãos. Não somos mais maridos, filhos, pais. Somos todos irmãos e vivemos na glória. Lá onde ele está é muito bom. Está cumprindo o plano dele. Mas você vai voltar e ficar um pouco mais lá onde você veio. Não sei quando você volta, Etelvina, mas digo que estarei aqui te aguardando para a receber. Etelvina, vá e tenha uma boa viagem.

- Tudo bem. Então eu posso embarcar de volta. O caminho é esse?

- Sim. Vá sempre adiante. A carruagem te espera. Está tudo pronto para você voltar. Adeus, Etelvina. Até um dia. O qual não sei quando.

- Adeus. Seja feliz aqui também. Eu fiquei feliz em te conhecer. Mas vou voltar pra minha casa.

O desfibrilador foi acionado, os remédios injetáveis, entubada. Tudo foi feito como manda a medicina. Do nada, muito de repente, os batimentos cardíacos de Etelvina começaram a bater, de leve. Suspiros e emoções tomaram conta daquela sala de emergência. Por quanto tempo ficou, ninguém sabe. Mas Etelvina voltou. Transferida para um quarto, ali abriu os olhos, e recebeu o carinho de filhos e netos.

Mais uns dias, ela começou a se alimentar sozinha e teve alta. Voltou para casa.
Feliz e emocionada, passou a comemorar dois aniversários. O dia em que nasceu e a data em que renasceu.

Etelvina foi ao céu, e voltou.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

LILI

Muito pequena, desde que nasceu, Lili era um encanto de menina. Com seus lindos olhos verdes e um cabelo clarinho e com mechas, revelava o pequeno anjinho que era. Um anjo em forma de menina. Linda, meiga, linda cor. Uma pele alva como a neve. Um olhar doce, esculpido pelo Papai do Céu.

Tão linda menina que a todos encantava. Tão afetiva, tão simples em seu olhar. Linda e amada por todos aqueles que viviam naquela fazenda. Muita terra naquele imensidão do pampa. As veredas e as paisagens. Os pássaros que simples gorgeavam ao luar. Era incrível ver que aquele cenário servia de local para aquela menina viver. Lili corria pelos campos, subia nas árvores, ali imaginava estar voando para a lua. Conversava com os pássaros. Adorava imitar o som do quero quero. Todos sorriam para ela. As vacas, os bois, os bugios. Todos pareciam conhecer e sentir a presença de Lili naquele campo.

Filha e neta de fazendeiros, Lili adorava andar à cavalo. Ali passeava, andava pelos lindos campos. Campos enfeitados de verde, tudo para ela passear. Tinha seu próprio cavalo, o Faísca. Era bom de corrida, galopava pelos campos e por ali afora andava sem parar. Lili sabia e sentia e Faísca o obedecia.

Caminhavam e andavam pelos campos até que, um certo dia, um raio de luz veio sobre a menina e o cavalo. Aquele clarão se abriu e do céu uma luz alva e bela partia. O sorriso meigo e doce de mãe ali aparecia.

Aquela mulher, linda, de branco, surgiu. Para a pequena menina, falou:

- Oh linda e amada menina! Encanto e formosura. Pedacinho do céu para teus pais e teus avós. Sou a tua madrinha. Sou tua mãezinha lá do céu. De lá eu olho por ti e vejo o teu cantar. Vejo o teu falar com os pássaros. O amor que tens por esse chão.

Lili, ao olhar para aquela imagem de mulher, respondeu:

- Mãe linda e amorosa. Mãezinha do céu a quem eu converso todas as noites, antes de dormir. A ti que uno as minhas mãozinhas e peço e agradeço pela minha vida. Mãezinha, abençõa o meu pai, a minha mãe, a minha vó, meu avô, meus amiguinhos, os pássaros. Toda a tua criação, abençõa mãezinha do céu.

Cândida, com olhos para aquela menina, disse:

- Tu és a linda filha que teus pais tem. Tens a imensidão do ar, do céu, da terra, das estrelas. És amada por Deus. De onde estou, olho e te cuido. Seja feliz, minha linda menina. Agora está na hora de partir. Mas volto, volto outro dia. Sempre que quiser falar comigo, ouça o vento. Eu estou ali, perto daquele figueirão. Adeus, amada Lili.

E a luz alva partiu. Lili e Faísca voltaram a cavalo para a fazenda. Sua avó, ao vê-la, a chamou para tomar o café. Café com bolo de milho, chimia de fruta, pão caseiro, linguiça, tudo de bom do campo. Fresquinho e campeiro, no melhor estilo.

Depois de tomar o café, Lili vai para o seu quarto. Ali, seu papai, antes de partir para os trabalhos no campo, deixou uma cartinha. Um sorriso veio aos olhos da linda menina. O texto dizia:

Linda menina, dos olhos cor de mel
pedacinho do céu
da luz e da imensidão de meu Deus
Guriazinha campeira, a menina faceira
Se existe amor, a forma é tu
Se existe a luz, a claridade és tu
Filha minha, minha estrela cadente
Lili, uma bênção
Um só coração


Com amor, teu pai

Lili sorri e assim que ouve sua mãe a chamar, vai se preparar para dormir.
Sua mãe a chama, para tomar o banho, arrumar as lindas madeixas e colocar o pijama.
Amanhã, pequena menina, é outro dia. O sol está indo embora. Os bichinhos estão indo dormir. É hora da pequena ninar.

E assim foi a linda Lili, linda a dormir, linda a sonhar.