segunda-feira, 29 de junho de 2009

PIREI

Augusto sempre foi um rapaz muito equilibrado. Criado em ótimas escolas, filho de um pai severo e de uma mãe preocupada com etiqueta e boas maneiras, o menino era o caçula de uma prole de cinco irmãos. Jamais o pequeno Augusto quebrou um copo quando criança, botou a língua para os mais velhos e fez alguma traquinagem que colocasse a sua saúde em risco. Nunca caiu da bicicleta, jamais quebrou um braço. Brigar na rua, jogar bola com a molecada, cuspir no chão e coçar o saco? Isso são coisas que jamais Augusto faria.

Seus brinquedos eram poucos. Em seu quarto, uma multidão de livros e mais livros. Augusto, o tão perfeito menino caminhava para uma trajetória de vida também perfeita. Aluno exemplar na escola, filho exemplar em casa. Tudo que Augusto fazia ganhava eco dentro da família. Seus irmãos gostavam das boas maneiras do menino, mas achavam que ele era muito reprimido, muito preso a regras, normas e condutas. Tudo o que fazia, ou dizia, agradava aos ouvidos dos mais velhos, como um bálsamo para as tão sonhadas boas maneiras.

Augusto foi pequeno. Hoje é um mocinho. Um adolescente. Rosto angelical, nada de espinhas no rosto. Gostar de fast food? Nem pensar. Tudo no jovem é perfeito. Se alimenta na hora certa. Come pouco, frutas e verduras. Nada fora daquilo que é dito como correto. Fumar, beber... jamais Augusto poluiu seus lábios com substâncias diferentes ao que é limpo, politicamente correto. Nada que possa envergonhar a imagem e a mancha de sua família.

Augusto não perdia a missa dominical, não perdia os almoços de domingo. Jamais faltava a compromissos sociais, jamais faltava a coisas e mais coisas que se comprometia. Na escola, o aluno nota dez. No grupo de amigos jovens da igreja onde ia, o mais educado e o mais aplicado às coisas de Deus. Jamais falava algo torpe. Um verdadeiro anjo em forma de gente.

Em seu quarto, fechado, o “santo menino” escondia embaixo do colchão, algo que jamais sua mãe, seu rígido pai, irmãos e outros imaginavam. Revistas e mais revistas de nudez, com belas mulheres, de todas as cores. Escondido no guarda roupa, uma garrafa de conhaque. Nas madrugadas, quando acordava, sem que alguém percebesse, Augusto colocava o seu ipod no ouvido e ouvia um rock tão pesado e tão metaleiro. Uma música que sequer podia ser ouvida por aquele rapaz que, diante da família e dos amigos, dizia ser amante da boa música clássica.

Augusto bebia, imaginava-se rodeado de música pesada e mulheres. Se imaginava coçando o saco, cuspindo no chão, beijando na boca da primeira que aparecesse em sua frente. Tudo aquilo tinha um tempo controlado. Eram duas horas. Duas horas de loucura, por duas vezes por semana. Até nisso Augusto era meticuloso e, de certa forma maquiavélico. Cometia a sua transgressão de forma muito bem pensada, para que ninguém desconfiasse que sua imagem pura e sacra pudesse ser abalada por pensamentos torpes e imorais.

Augusto levou por muito e muito tempo escondido esses momentos de êxtase e loucura. Certa noite, já com a maior idade na cara, foi sair. Disse a seus pais que iria para a casa de uma amiga e foi para uma casa noturna. As luzes e o som forte ali levaram Augusto a viajar. O som era eletrônico. A todo volume. Além disso, o pessoal que dançava fazia competição de ipods, quem conseguia chegar ao volume mais alto.

Mulheres de pretinho básico, cabelos alisados com chapinha, chicletinhos ao canto da boca. Meninos com garrafas ice na mão, dançando ao som do Psy que rolava. A noite estava muito louca mesmo. Quem conversava não conversava. Passava papéis com endereços de Messenger, ou então marcava um chat para outro dia.

Nos corredores da casa noturna, beijos e amassos. Quem conseguia ir para um cantinho escuro, transava ali mesmo. Com preservativo ou sem, não importava, o negócio era entrar na roleta russa do perigo. A noite estava desvairada e os corpos balançavam em um ritmo frenético, onde era inelegíveis as palavras. Músicas sem melodia, cores sem cores, sabores sem sabores. Assim era aquela festa. Era uma festa? Sim, era. Para aquele grupo que ali estava era sim um modo de se divertir.

Augusto paga o ingresso, entra sozinho e sozinho vai para perto da pista. Observa aquelas performances no palco. Ele começa então a fazer alguns passos e tenta dançar, copiar aquela dança que ali acontecia. Entra na roda e começa a dançar. Nem ele imaginava que sabia tão bem dançar aquele estilo tão diferente aos olhos do mundo e da sociedade onde ele provinha.

Sem saber, é observado. E, assim, sem imaginar, é prensado perto da parede por uma loira fatal. Indefectível. Bem básica para aquela noite. Cabelos lisos, vestidinho preto, botas, perfume importado. Ela o olhava e lhe perguntou se ele tinha um cigarro. Ele não fumava. Ela então abriu a bolsa e o ofereceu um cigarro. Augusto aceitou, fumou, dançou. A loira riu, bebeu, bebeu e riu. Augusto, o menino pudico, de olhar terno para uma hipócrita sociedade, ali colocava pra fora a sua selvageria.

A noite acabou na cama redonda. Misteriosa, fugaz. Cama redonda, luz vermelha, quarto vermelho. Fétido, batido, de baixo calão. Assim Augusto arrepiou. E a loira? A loira se esbaldou. Cigarro, vinho, cerveja, vodca, música alta, banhos de banheira. Foi um horror. Um horror imaginar os palavrões, as expressões chulas que rolaram por aquela madrugada, naquele motel barato, com custos acessíveis para jovens que não tinham muito dinheiro. A noite de Augusto foi marcante. Exatamente como ele imaginou e como via, escondido em seu quarto, ilustrado nas revistas imorais, baratas, compradas nas bancas por aí afora.

A loira e Augusto formaram um par. Ficavam, não ficavam. Não namoravam. Eram sim usados um pelo outro. Usados nos mais carnais deleites. A loira ensinou ousadias ao jovem e ele a colocou no sacrosanto e pudico mundo o qual vivia. Um mundo onde não existia a torpeza noturna onde muitos jovens embarcavam. A loira gostou. Augusto também. E assim ficavam, entre os prazeres da carne e os deleites da castidade.

Aquele dia, onde Augusto foi para a balada e caiu nos braços da loira foi marcado, anotado e valorizado. Em sua agenda, a qual guardava anotado seus sagrados e pontuais compromissos, ele escreveu:

- Pirei!

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