terça-feira, 17 de novembro de 2009

ENTRE LOUVORES E AMORES, CAP.5

V

João chega cedo a Igreja do Fogo Santo. Seria o primeiro dia da Batalha do Tudo ou Nada. Ou seja, quem fosse aquele dia ao culto ganharia um girassol e teria que todos os dias fazer os pedidos diante do girassol e arrancar uma folha por dia. Ao final, teria os pedidos atendidos. Assim que chega a igreja, pastor João chama Patrick e Patrícia para uma reunião. Era para passar as diretrizes do que deveria acontecer na igreja no primeiro dia de campanha. A primeira reunião era com os dois. Logo em seguida, João Souza chamou Ùrsula e Marcão para uma conversa. Nada poderia dar errado. Para comprovar que daria certo, Rafael havia armado uns detalhes para que o primeiro dia chamasse a atenção das centenas de pessoas que iriam assistir ao culto no Fogo Santo.

Pastor João dá a ordem a Patrick:

- Patrick, hoje será o seu grande dia. Você tem que cantar daquele jeitinho falso seu, ou seja, daquele jeitinho que faz o povo chorar, vibrar. Talento para isto, pelo menos, você tem. Para fazer as mulheres e as pessoas idosas chorarem. E quando eles choram, vão se emocionando, vão pegando os girassóis e também deixando a oferta nas sacolas que passam.
- Meu comandante. Você sabe que faço sempre melhor do que você pede. Aliás, não sei porquê até agora você não gravou o meu CD. Vai ser um CD espetacular. Vai vender muito e eu serei finalmente a estrela que desejo ser.
- Menos, Patrick. Você é medíocre, muito medíocre. Humildade zero, viu.
- E o senhor é um grande vigarista, mas tudo bem, problema é seu.
- Vigarista é você, rapaz. Veja como fala comigo. Cale a sua boca. Sou eu que sustento os teus luxos. A tua malandragem de só viver de música. Música a qual não canta nada, vamos ser sinceros.
- Amado pastorzinho de bananas, vamos parar de brigar porque a sua escrava Patrícia vem chegando...
- Pastor, posso entrar?
- Pode sim, Patrícia. Que bom que você chegou rápido, temos muito que conversar.
- Patrícia, você já falou com as senhoras para decorarem a igreja com os girassóis. São milhares de girassóis. E a campanha será uma verdadeira glória para nós.
- Aleluia, pastor. Vai sim. Meu coração está tão emocionado...
- O meu então, Patrícia, você nem imagina. E você, amado Patrick?
- Meu amado pastor João Souza, estou muito emocionado com a possibilidade de cantar, de apresentar o melhor de mim neste evento que vai marcar um novo momento na nossa Igreja do Fogo Santo. Meu coração arde por esta casa, meu coração arde por este momento.
- Menos, Patrick. Não exagere na dose.
- Claro, querido pastor, temos que ser contidos, não é mesmo?
- Você sabe que nós temos que ser moderados sempre, e ter fé, acima de tudo...
- Mentir também, né.. ops, perdão. Foi mal.
- O que você disse, Patrick.
- Nada, Patrícia. Não falei nada.
- É bom que você não fale nada. Você não pode dizer nada que ofenda, não pode falar palavras torpes, meu querido levita.
- Obrigado, meu líder. Meu amado, venerado líder.
- Pastor, com licença, vou até o salão da igreja ver como está a decoração final.
- Claro, abençoada serva, vá sim.
- Pastor João, definitivamente vou lhe dizer uma coisa.
- Diga, Patrick.
- Eu odeio você.
- Eu também odeio você, seu idiota. Mas vamos parar com isso senão vão descobrir e
nós então estaremos em maus lençóis. Você, desempregado e sem talento. E eu, com a imagem arranhada. Imagina.
- Imagem não. Você e o bandido do Rafael na cadeia. Vai ser a minha glória.
- Não sei onde estou com a cabeça que não lhe calo a boca agora.
- Vem calar, pastorzinho. Vem calar e eu saio daqui direto para os jornais.
- Você não tem coragem. Você é um desclassificado. Um cantorzinho de quinta classe, cantor de lugar lixo, você é um lixo, Patrick. Pago um bom salário e você vem me ameaçar. Faça e você vai ver o que eu e o Rafael faremos com você.
- Você não faz nada, João Souza. Você é dominado pelo teu filho, Rafael, que te domina. Você acha que eu não sei que você é apaixonado pelo seu filho. Você é louco, você é sórdido, Souza. Você tem pensamentos podres com seu filho.

Nisso, João Souza levanta e desfere uma bofetada na cara de Patrick. Patrick baixa a cabeça e sai da sala, prometendo se vingar dele. Nisso, ele sai e chegam Marcão e Ùrsula. Marcão chega perguntando ao líder:

- Bom, dia Souza. Tudo bem com você. Quero saber se hoje ganho o troco pro final de semana. Sabe como é, né. Tô na maior dureza.
- Cala a boca, Marcão. Senta aí.
- Que cara hein, o que houve?
- Briguei com o chantagista do Patrick.
- Você quer que eu quebre aquela cara dele, eu estou louco para pegá-lo de jeito.
- Não, Marcão. Deixa que com ele eu me entendo. A Úrsula, onde está.
- Tava lá em casa, foi uma noitada daquelas que você nem imagina. Perdeu. Por que não
passou lá em casa ontem à noite. Tinha um churrasco, cheio de mulheres. Do jeito que você gosta, velho.
- Não pude porque estava em uma reunião no partido político. Você sabe que vou me lançar vereador no ano que vem, não sabe, ou já esqueceu?
- E você pensa que vai ganhar...
- Eu vou ganhar sim. Eu tenho que ganhar. Eu nunca perdi nada. Não vai ser agora que vou perder.

Ùrsula chega na sala:

- Atrapalhei a conversa. Bom dia, rapazes.
- Bom dia, Ùrsula.
- Ô minha coisona, você trouxe o meu carro ou veio com o seu.
- Amorzinho eu vim com o teu carro sim, nós temos que terminar umas coisinhas lá na tua casa.
- Não me interessa o que vocês vão fazer. Quero saber se já ensaiaram tudo para a abertura da campanha de hoje à noite aqui. Estão com a cena afiada, ou não?
- Estou sim, patrão. Você sabe que sou uma atriz nacional com jeito, com feeling internacional.
- Ah, sim. Você é dançarina de boate. E só, nem fazer pole dance você consegue aprender. Nasceu com neurônios invertidos. Aprendeu a falar português com as cartilhas que te mandei.
- Ah, Souza. Não avacalha com a Úrsula não. Muito você se esbaldou neste corpinho.
- Não me esbaldo em mais nada. Vocês não são pessoas que me interessam.
- Ah, tá, velho idiota. Tá virando santo. Tá acreditando nesta mentira que criou.
- Cala a boca, Úrsula. Não quero saber da sua opinião. Só quero saber se você está repassando o texto, se ensaiou com o Marcão as cenas de hoje à noite. Não pode sair nada de errado. O cantorzinho do Patrick já preparou tudo. Todos tem que estar emotivos, emocionados. A Patrícia está lá com as senhoras arrumando o salão, decorando tudo e Rafael contratou uma produtora de vídeo para fazermos a gravação de hoje à noite para lançarmos em nosso programa de TV, que começa na semana que vem.
- Nossa, Souza, você está acreditando mesmo nesta história de pastor. Você vai ter programa de tevê é?
- Vou sim. Paguei o horário à vista na emissora. Paguei o valor à vista por seis meses.
- Quanto dinheiro você pega destes trouxas que vem aqui. Olha, uma hora a tua casa vai cair.
- E você vai presa, sua picareta. Dançarina perneta. Não sabe nem sambar...
- Não me esculacha, Souza. Souza, você está muito nervoso. Algum problema em sua casa?
- E te interessa a minha casa? Desde quando você é minha amiga? Não tenho amigas.
- Só te perguntei. Quer que eu dance para vocês? Quer, Marcão.
- Eu quero. Mas não sei se o velho aí quer música não.
- Ah, pare com isso. Você tem que se concentrar. Se eu quiser dança vou na boate e vejo. Vejo outras, a Katy Lúcia, a Furacão. Vou perder tempo contigo que não dança nada.
- Chega, velho Souza. Fui embora. Até à noite. Marcão, você vem também ou vai ficar aí conversando besteira com este neurótico e mal amado?
- Vou embora. Eu não vou ficar aqui ouvindo bobagens deste velho trambiqueiro. Aliás, meu cofrinho, meu banco, meu caixa eletrônico...
- Fora daqui. Fora. Não quero mais ver a cara de vocês. Só à noite, na hora da abertura da campanha.

Úrsula dá um selinho no pastor Souza e sai. Marcão olha com uma cara bem feia para Souza e também sai da sala. O telefone toca e o pastor atende:

- Alô, quem fala?
- Aqui é Rosana. Você vem para casa almoçar?
- Não sei, talvez não. Ah, quero te perguntar. Você vai chegar mais cedo hoje aqui. É o dia da Batalha do Tudo ou Nada e você tem que estar ao meu lado.
- Vou sim. Você sabe que vou.
- Que bom. Que bom que você tem juízo e sabe realmente qual a sua obrigação. Se não trabalhar, não ganha.
- Não é isso. Um dia eu me livro de você. Mas por enquanto não dá para me separar de você. Separar de fato porque já não vivo mais com você há muitos anos.
- Você não separa porque não quer perder o dinheiro e também que eu abra a boca e conte para o...
- Não continue, João Souza. Pare o assunto por aí. Se você vai começar a falar sobre mim, você sabe que eu vou para os jornais e conto que você também tem...
- Você não é louca de me chantagear, Rosana.
- Souza. Eu não quero perder tempo com você. Eu só perguntei se você vem almoçar em casa porque tenho que falar para a dona Cenira que ela não precisa fazer almoço hoje. Ninguém estará em casa na hora do almoço.
- Nem você, Rosana. Onde vai gastar o dinheiro hoje?
- Não vou dizer a você onde vou. O que tenho para te dizer é que todos estarão aí na hora da abertura da campanha.
- Ah, que bom que você é uma boa menina. Sabe organizar a família para a hora da fotografia.
- Tenho que garantir uma segurança financeira a nossos filhos.
- Nossos, é claro. Nossos.
- Qual foi o motivo da ironia?
- Não tem ironia. Não tem nada, Rosana. Ah, eu não tenho mais nada para conversar com você. Posso desligar o telefone?
- Pode sim, tenha um bom dia.

Em outro ponto de São Paulo, Roberto e pastor Cláudio tomam um café. O assunto é o mais diverso:

- Pastor Cláudio, então você vai viajar para Florianópolis na semana que vem?
- Vou sim, Roberto. Vou até lá para visitar um casal de amigos. Eles estão fazendo aniversário de casamento. Os conheço há mais de 20 anos, quando ainda a minha igreja era lá. Tenho certeza que a visita será muito boa. E a festa promete ser grande. Os filhos e netos do casal virão de vários lugares do Brasil.
- Que bom que o senhor vai. E então, quando vamos ao Rio de Janeiro?
- Creio que em janeiro a gente possa ir. Vamos sim passar uns três dias lá. Quero fazer contatos com alguns cantores e também com preletores para virem até a igreja e ministrar louvores, ministrar palavras.
- Pastor, não podemos esquecer esta semana de fazermos a reunião dos homens. Temos que programar o jantar do grupo dos homens. E o recurso será doado para a Casa Lar dos Pequenos Órfãos.
- É verdade, Roberto. Não podemos esquecer de realizar este jantar. Ficou marcado que seria no final do mês, foi isso que combinamos, sim.
- Foi sim. Combinamos que o jantar será no final do mês. Estou ansioso para ver a Mariazinha cantar no domingo no culto. Vai ser uma alegria a apresentação dela. Da minha pequenina, o meu bebezinho.
- Ah, mas você é muito mimoso para esta menina. Ela é uma graça de menina mesmo. É uma criança doce, meiga, alegre e canta de forma muito linda. Nós é que ficamos felizes com o grupo infantil. Os louvores dos pequeninos chegam até o céu.
- Pastor, a pastora Regina já conseguiu contabilizar os recursos do bazar?
- Sim. O bazar deu um montante significativo para pagarmos o aluguel do mês e também as despesas com internet e telefone. Graças a Deus, somos muito abençoados. Há momentos, meu amigo, que eu me preocupo com as finanças da igreja. Mas Deus realmente nos provêm, com recursos e com provisão.
- Claro, pastor. Deus está em nossa vida e também nos abençõa porque fazemos a nossa parte. Cuidamos com fé e com ardor das coisas de Deus e também cuidamos da nossa vida e apoiamos a quem precisa. Mas, pastor Cláudio, o senhor sabe que tenho uma dor tão grande em relação a Sílvia.
- Sei, foi aquele episódio dela com o Rodrigo. Olha, Rodrigo já pediu perdão a vocês, vocês o perdoaram e eu também perdoei a Sílvia. Nós não podemos ficar nos culpando de um erro que os dois cometeram. Pecaram contra a castidade. Mas tudo bem, eles se arrependeram e Deus os perdoou.
- Não sei, pastor. Não sei se Sílvia mudou. Eu sei que foi ela quem deu em cima de seu filho. Ela é mais velha, mais esperta. Rodrigo é um rapaz calmo, equilibrado. Foi ela quem o levou àquela festa, o deu bebida alcoólica e depois partiu para seduzi-lo. Eu sei que Silvia é muito impulsiva, ela faz o que quer. E isso me envergonha.
- Roberto, você tem que orar muito por sua filha. Pedir muito a Jesus para que a cure, para que a cure de suas feridas, que ela possa ser temente a Deus e que possa se arrepender de seus pecados. Nós, como pais, temos que orar muito por nossos filhos. Tua filha irá se arrepender, ela vai se concertar. Eu acredito que ela vai mudar.
- Eu também acredito. E vamos tomar o nosso café, senão ele vai ficar gelado.

Na casa dos Nogueira, Mariazinha entra no quarto de Amanda para pegar um livro que a irmã pediu. Amanda está na parte inferior da casa, vendo um DVD. Maria estava seu lado, comendo pipoca. As duas não sabiam que Sílvia estava em casa. Vovó Alba tinha ido ao mercado com Marília. Quando menos imaginava, Maria é surpreendida por Sílvia:

- Menina metida, você né. Quem te mandou entrar aí no quarto da Amanda?
- Foi ela quem pediu, Sílvia.
- Sua chata, insuportável criança. Você sempre com a resposta na ponta da língua. Sempre rápida, inteligente....
- Mana, não faça assim comigo não. Sílvia, por que você não gosta de mim?
- Não me chame de mana. Nem me chame de nada, garota. Eu estou pouco ligando para você. Você é uma chata, e tem muita gente para se ligar em você. Só perguntei se você foi autorizada a entrar aí no quarto, foi isso. E não precisa esticar assunto comigo não, senão eu pego a sandália e parto para cima de você.
- Pára Sílvia. Eu vou chamar a Amanda.
- Chama, sua peste, chama...

Mariazinha entra no quarto, pega o livro e desce as escadas correndo. Assim que Amanda vê, pergunta:

- Mariazinha, por que você está nervosa. Preocupada com alguma coisa?
- Amanda, a Sílvia tá lá em cima.
- Ela te assustou, te disse alguma coisa?
- Ah, ela sempre me assusta.
- Eu vou lá falar com ela, agora.
- Não vá, maninha, não vá. Ela vai bater em você.
- Não vai não.

Nisso, Sílvia desce as escadas. E diz:

- Não precisa subir não, boa mocinha. Eu desci para te dizer que a insuportável da criança aí estava entrando no teu quarto. Perguntei, educadamente, se ela podia entrar. E ela só pra variar fez cena de coitada, como sempre.
- Sílvia, a Mariazinha foi até o quarto pegar um livro que pedi. Bem, estava vendo um DVD e pedi um livro porque vou ler em seguida.
- Nossa, como você é culta. É instruída. Posa de bacana. Depois que entrou para a faculdade, virou a tal.
- Sou mais equilibrada e menos invejosa que você, Sílvia, querida irmã.
- Ah, menos. Tudo você é menos. É menos louca, é menos raivosa, é a santinha, virgenzinha da casa. E tem o apoio de todos, até da chatinha da criança aí. Eu é que sou a louca, sou a má da família. Sou a devassa, sou a mulher fatal. A negra fatal. Ah, sou mesmo, sou viva, ao contrário de todos vocês, que são uns sonsos.
- Sílvia, chega de tanto ódio neste teu coração, minha irmã. Pare e peça a Jesus para mudar a tua vida, a tua história. Quanta maldade, quanta coisa ruim você está colocando para dentro de sua vida.
- Não vem dar uma de pastora não. Aliás, não venha me falar nada. Vou sair. Vou sair com a Pachanca. Não sei que horas volto.
- Você nunca sabe a que horas volta quando vai sair com a Pachanca.
- E você, saiu com a encalhada ridícula da Lúcia Helena? Mulherzinha feia aquela, feia, magra.. é bem o estilo de tuas amiguinhas mesmo. Tudo sem sal, que nem você.
- Chega, Sílvia. Tenha uma boa noite. Eu aviso ao papai, a mamãe e a vovó que você saiu com a Pachanca.
- Não precisa avisar. Não quero que eles saibam da minha vida. Adeus, suas insuportáveis.

Na Igreja do Fogo Santo, os fiéis começam a chegar. O estacionamento lota rapidamente. Os lugares da frente da igreja já estão ocupados e a portaria continua lotada. A noite promete. E na sala atrás do palco, pastor João Souza se maquia, se prepara, coloca um terno de linho cru marrom e se prepara para abrir a noite. Rafael, já classicamente vestido vai para o púlpito, o palco, decorado com flores, girassóis espalhados pela igreja, distribuidos nas fileiras do gigantesco salão. Câmeras posicionadas, tudo pronto para o show, para o lançamento da Batalha do Tudo ou Nada.
Rafael vai ao palco e anuncia o início do evento:

- Boa Noite e a Paz para todos vocês. Começa agora, oficialmente, na Igreja do Fogo Santo, de São Paulo para todo o Brasil, a Batalha do Tudo ou Nada. Com vocês, para abrir a noite de glória, Patrick e banda!

Patrick entra cantando, pétalas de rosas começam a cair do teto da igreja e o gelo seco começa também a se espalhar pelo palco. As meninas do grupo infantil entram dançando um balé, dança profética, perfeitamente ensaiadas. Nos telões espalhados, estrofes da canção que Patrick toca ficam legíveis e um gigante coro começa a ecoar pelo interior do templo.

O show começa, a campanha a todo o vapor.
Entre louvores e amores.

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